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Escolas rurais e cidadania - Que compromisso?

Olhando a carta escolar do distrito de Bragança, somos confrontados com a triste realidade dos números estatísticos que, quantificam crianças, professores, salas de aula, mas não nos mostram a realidade vivênciada em cada dia, as aprendizagens desenvolvidas e realizadas e, os sentimentos presentes em cada uma destas pessoas?

A complexificação do mundo, resultante do desenvolvimento económico e tecnológico, que potênciou a descoberta de novos mercados, novas formas de comunicar e consequentemente o encontro de diferentes povos e culturas, conduziu, também, ao aniquilamento das zonas rurais, levando por razões económicas e culturais, a população a emigrar, ou pelo menos a transferir-se para zonas urbanas onde o emprego era mais lucrativo, e onde não havia que lidar com a rudeza do trabalho agrícola. Esta partida associada às baixas taxas de natalidade, resultou na desertificação, abandono, isolamento e, até ao esquecimento a que foram votadas estas populações.
Mas foi  também, a consciencialização, da existência de uma pluralidade de contextos, que contribuiu para a concepção actual de homem, alargando por sua vez o conceito de cidadania. A cidadania assume, actualmente, não só a qualidade de ser cidadão, implicando que o homem actue em conformidade com os normativos sociais, senão que sejam eles próprios fazedores de uma sociedade solidária e em constante construção. (Praia: 2000).
Compreendemos, assim que o conceito de cidadania rasgou as barreiras do tempo, mas não foi impermeável. A sua evolução acompanhou o percurso do homem como actor histórico. Se a cidadania diz respeito ao homem, no seu encontro com a «cidade», e tendo o homem construído novas formas de «cidade», então esta concepção adquire hoje um valor axiológico diferenciado daquele que lhe era atribuído em períodos anteriores.
Este discurso determinou o aparecimento de novas perspectivas que possibilitaram ver a escola como um espaço que estimula a criação de uma consciência crítica, um local de encontro entre os velhos e os novos saberes, o reconhecimento da identidade pessoal e local, que favorece a integração das pessoas, numa tentativa de construir uma sociedade mais solidária.
Este projecto deverá colocar o homem frente às pluralidades que interagem na sociedade actual, mas sem perder o sentido da sua identidade pessoal e cultural. E a escola deverá criar condições para o desenvolvimento das capacidades do ser humano e, num esforço de convivência democrática, constituir-se como um espaço que promova a sua realização como pessoa e como cidadão.
E, no entanto, a escola que conhecemos, que faz parte da nossa memória de crianças e jovens, resiste e consegue, mesmo hoje, fazer coabitar técnicas novas com técnicas clássicas  (Resweber, 1995)
Coexistem assim dois discursos, o da necessidade de levar o homem a construir-se como pessoa e cidadão do mundo, baseado em práticas democráticas e assente num acto pedagógico cooperativo, mas que tem sido constantemente adiado pelas resistências político-económicas que persistem e; o discurso da perpetuação resultante desta resistência que faz com que o acto pedagógico possível seja o da transmissão de saberes alicerçados na reprodução de valores que potenciam o individualismo.
Olhando a carta escolar do distrito de Bragança, somos confrontados com a triste realidade dos números estatísticos que, quantificam crianças, professores, salas de aula, mas não nos mostram a realidade vivênvciada em cada dia, as aprendizagens desenvolvidas e realizadas e, os sentimentos presentes em cada uma destas pessoas que se vão construindo, nestes contextos e dos quais recebem uma marca inalienável.
A problemática das escolas rurais, tem escapado à sensibilidade da nossa sociedade. Talvez, porque ?...o meio rural não se consiga fazer ouvir ...? ou porque ?...a situação não é mais do que uma face, particularmente gravosa da desvalorização social do ensino primário, não raro classificado como o ?parente pobre do sistema?? (Azevedo, 1995. p.41).
O futuro das escolas do interior do país, depende de um olhar profundo e de um posicionamento crítico sobre a ideia de infância presente na concepção de educação que defendemos e no modelo de sociedade que pretendemos construir.
Esperamos que não se continue a persistir numa visão romântica e tradicionalista que conserve as escolas com uma, duas ou três crianças. Mas desejamos também que a solução não passe por projectos urbanistas e tecnocráticos que consideram o mundo do betão como o símbolo do progresso, aniquilando todas as possibilidades de desenvolvimento do mundo rural e desenraizando as nossas crianças. A solução existe, mas é necessário construí-la num esforço conjunto de cidadania...
Ignorar ou subestimar as dimensões locais e culturais do problema adiando a sua resolução, implica aceitar as consequências futuras em termos de cidadania que a problemática comporta.

Azevedo, J. (1995). Os nós da rede. O problema das escolas primárias em zonas rurais. Porto: Edições Asa
Praia, M. (2001). Educação para a cidadania. Porto: Edições Asa
Resweber, J. (1995). Pedagogias Novas. Lisboa: Teorema.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

Cristina Mesquita Pires
Escola Superior de Educação de Bragança
Cristina Mesquita Pires
Escola Superior de Educação de Bragança

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