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Entre o encanto e a agonia

Escolas Rurais

Fecham as portas ao ritmo da desertificação. No interior do país o encerramento das escolas do 1º ciclo do Ensino Básico é apenas mais um indicador deste fenómeno demográfico. Manter abertas escolas com menos de dez alunos implica um esforço financeiro incomportável, dizem as autarquias. Entre o encanto e a agonia da ruralidade as ?escolas primárias?, como as gentes ainda lhes chamam, resistem até ao último aluno. Em Aldeia Velha e Carvalho de Rei, concelho de Amarante, os recreios têm vista para a Serra do Marão e as salas de aula aquecem-se a fogão de lenha. 

Solidão. Frustração. São estas as palavras que Sandra Pereira, 24 anos, usa para descrever o que sente enquanto professora de uma turma de quatro alunos. Situada na freguesia de São Simão, a 30 minutos de estrada nacional de Amarante, a Escola Básica do 1º ciclo de Aldeia Velha parece muito maior do que é. São mesas a mais para tão poucos alunos. Fernando, 10 anos (4º ano); Ana Cristina, 8 anos (2º ano); Daniela Filipa, 7 anos (2º ano) e Hélder, 6 anos (1º ano) estão sozinhos na escola. A professora também.
É o segundo ano de Sandra Pereira como docente. ?Vir para aqui foi um choque!?, desabafa a professora. A paisagem verdejante da Serra do Marão inspiradora de Teixeira de Pascoaes esconde alguns senãos, mais prosaicos. A ?miúda? de 14 anos que deixou a escola e anda a guardar gado. Os ?meninos? que à tarde vão para os campos ajudar os pais e à noite estão cansados de mais para fazer os trabalhos de casa. Os pais que não se interessam pelas coisas que os filhos aprendem na escola. As dificuldades dos ?meninos? que passam para o 2º ciclo e de repente se vêem numa escola com ?gente de mais? para o que estavam habituados. E a certeza de que para os seus quatro alunos ?qualquer novidade mínima será sempre uma grande novidade?. Por tudo isto um desabafo: ?É revoltante o esquecimento a que estão vetadas estas crianças.? Sandra encolhe os ombros e sorri: ?Como são poucas, deixam-nas estar no cantinho delas??
Para quem se desloca à aldeia todos os dias, as dificuldades começam logo no acesso à própria escola. Sem carro a aldeia seria inacessível. Quer para quem a ela se desloca, quer para quem dela quer sair. E sem transportes, planificar actividades que impliquem sair da freguesia é tarefa complicada. Aí reside parte da frustração da professora. ?Ás vezes tenho vontade de os meter no meu carro (risos). Mas quando as coisas são feitas de boa vontade, só funcionam se nada correr mal, não é??, interroga-se. 
Ainda assim duas vezes por mês a escola fica para trás. A autarquia de Amarante assegura o transporte, Sandra Pereira e os seus pupilos vão à piscina municipal. ?É uma oportunidade de eles conviverem com outras crianças. Até porque como estão sempre os quatro têm tendência para se isolarem?, diz a professora.
Este comportamento faz com que Sandra Pereira acredite que ?mais do que aprender a ler e a escrever, estes alunos precisam de convivência social.? Se Fernando passar de ano, a turma fica reduzida a três. Mas ainda restam duas crianças na aldeia que ainda não atingiram a idade escolar. Mais cedo ou mais tarde a escola ficará vazia. Entretanto, pode acontecer que feche as portas e que os seus últimos alunos sejam transferidos para outra escola de uma freguesia vizinha. Uma hipótese, que Sandra Pereira admite, talvez pudesse beneficiar o desenvolvimento pessoal dos seus alunos. Ainda que do encerramento resultasse menos uma ?colocação? para um professor.
Jorge Pinto, vereador do pelouro da Educação da Câmara Municipal de Amarante, defende o encerramento das escolas com menos de dez alunos. Não acredita porém que tal medida tenha obrigatoriamente de gerar mais desemprego entre a classe docente. Defensor ?claro? das equipas educativas de apoio à monodocência, Jorge Pinto, também ele professor de 1º ciclo, acredita que este seria um modo de contornar o problema.

Escolas Pólo

No concelho de Amarante existem 73 escolas do 1º ciclo do Ensino Básico. Pelo que ?a conservação do parque escolar é complicadíssima?, admite o vereador. ?As escolas funcionam com grandes défices, temos poucas cantinas porque são financeiramente incomportáveis em escolas com 10, 15 ou 20 alunos.? Neste cenário Jorge Pinto advoga que a junção de alunos em ?escolas pólo?. O que, segundo o vereador, poderia contribuir para potenciar ao máximo as estruturas existentes na rede escolar: cantinas, bibliotecas, salas de informática. Ou até, implicar a construção de novas valências necessárias. Sendo que ?caberia à autarquia assumir a responsabilidade do transporte dos alunos para a escola pólo?, assegura o vereador.
A quatro quilómetros da EB1 de Aldeia Velha, fica a EB1 de Carvalho de Rei. A escola alberga nove alunos e um professor. Paulo Amor, 36 anos, pôs pela primeira vez os pés naquela escola há 12 anos. Fez amizades entre as gentes da freguesia, ficou a conhecer bem o meio e gostou. Por isso, este ano lectivo decidiu concorrer à mesma escola onde iniciou a carreira. E talvez concorra de novo. ?A constante mudança de professor não é benéfica para estes alunos e gera uma certa desconfiança entre os pais?, sustenta. Mas esta é apenas uma das dificuldades que enfrenta uma escola rural. A maior delas, segundo Paulo Amor, é o isolamento.
?Os lugares onde as famílias vivem são distantes uns dos outros, por isso, a convivência entre os miúdos faz-se essencialmente na escola?, reflecte Paulo Amor. Um facto que dá uma importância acrescida ao espaço escolar. Não apenas como lugar da aprendizagem mas de convívio. Até porque, analisa o professor, ?há miúdos que são os únicos nas aldeias onde moram e as suas vivências acontecem entre pessoas mais velhas que não descem ao seu mundo.?
Fazer com que as populações aceitem o encerramento da escola é outro problema que se coloca às autarquias. ?Quando uma freguesia só tem como equipamentos públicos a escola e a igreja é óbvio que não aceita que lhes ?tirem? um deles?, explica Jorge Pinto, vereador do pelouro da Educação da Câmara Municipal de Amarante. E depois há também a questão de como agrupar?
O ideal, para Jorge Pinto, seria que a resposta a esta questão pudesse ser dada mediante a realização de uma análise sociológica e demográfica das freguesias com mais tendência para a desertificação. No futuro, admite o vereador, uma reorganização da rede escolar tendo em conta o encerramento de escolas com um número baixo de alunos, poderia passar pela eventual construção de uma escola que englobasse o 1º, 2º e 3º ciclos. Um caminho já apontado pela nova proposta de Lei de Bases da Educação.

Andreia Lobo

Um sítio caloroso

No Inverno, o chão da Escola da Aldeia Velha é frio. Mesmo quando ardem cavacas na salamandra da escola. A aldeia também é fria: há dias em que amanhece gelada e até dias  de neve. Neste cenário, comprar pantufas para oferecer aos alunos é um gesto de ternura que não cabe no magro orçamento daquele ?estabelecimento de ensino?.
Sandra Pereira, professora, 24 anos, calçou de afectos os quatro alunos da escola onde está provisoriamente colocada. É prova, inesquecível, de elevada inteligência afectiva. As pantufas que os alunos agora usam não dispensam a lenha para o aquecimento. Nem dessacralizam o sítio ? apenas o tornam mais caloroso.

João Rita

Escolas públicas do 1º ciclo do Ensino Básico com menos de 10 alunos


DISTRITO

EB1
< 10 alunos

EB1 Total

% EB1
< 10 alunos

Aveiro

67

575

11,7%

Beja

53

133

39,8%

Braga

68

490

13,9%

Bragança

242

344

70,3%

Castelo Branco

70

191

36,6%

Coimbra

99

452

21,3%

Évora

23

108

21,3%

Faro

24

205

11,7%

Guarda

207

355

58,3%

Leiria

90

475

18,9%

Lisboa

59

606

9,7%

Portalegre

23

69

33,3%

Porto

28

695

4,0%

Santarém

101

450

22,4%

Setúbal

31

218

14,2%

Viana do Castelo

85

293

29,0%

Vila Real

310

541

57,3%

Viseu

285

747

38,2%

Total Geral

1865

6947

26,8%

Fonte: Recenseamento Escolar Anual 2003/2004
Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento, Ministério da Educação

No distrito de Bragança, 70% das escolas de 1º ciclo do Ensino Básico têm menos de dez alunos. O que faz com que esta região seja a que mais sofre com a desertificação escolar que tem atingido o interior do país nos últimos anos. No ranking seguem-se os distritos da Guarda (58%) e de Vila Real (57%).
Do total do parque escolar nacional do 1º ciclo do Ensino Básico, 26% das escolas têm menos de 10 alunos. 


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
João Rita
Jornalista, Porto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
João Rita
Jornalista, Porto

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