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Impasses na democratização das pós-graduações

As universidades vêem-se confrontadas com novos desafios da sociedade, sendo compelidas a abrirem as suas portas a importantes contingentes de estudantes de pós-graduação.

Sabemos bem que sucedemos a um longo período em que os doutoramentos e até os mestrados estiveram reservados quase que exclusivamente aos docentes universitários por razões de carreira e por existir o pressuposto de que a eles só deveria ter acesso uma elite intelectual. Porém, na sequência do processo histórico relativamente recente de democratização do ensino e do correspondente acesso aos respectivos graus, aqueles acabaram por ser alvo de uma procura alargada. Acresce que os novos estádios de desenvolvimento científico e tecnológico impõem, com carácter generalizado, exigências acrescidas de qualificação académica e de produtividade da investigação. As universidades vêem-se confrontadas com novos desafios da sociedade, sendo compelidas a abrirem as suas portas a importantes contingentes de estudantes de pós-graduação. No caso português, a concorrência das restantes universidades europeias e os normativos comunitários impuseram, a este nível, a democratização do acesso.
Retomamos aqui um tema ao qual já demos aqui o devido destaque mas a que queremos acrescentar mais algumas reflexões.
É que, apesar do que fica dito, as nossas universidades têm igualmente experimentado algumas dificuldades em compatibilizar a referida democratização do acesso com o aprofundamento e renovação dos critérios de rigor, nomeadamente em matéria de avaliação e classificação. Importa, de facto, evitar nesta matéria tanto a confusão entre democratização e massificação como o enovelamento da persistência do elitismo académico com a incapacidade muito expandida para se aplicarem os próprios dispositivos legais existentes. Vai ser preciso que, na realidade, todos entendam de uma vez por todas que, por exemplo, a hierarquia das classificações e das menções deve ser mobilizada mais do que nunca, não constituindo de forma alguma solução, mas apenas uma forma de capitulação, a eliminação pura e simples daquele escalonamento em favor da simples indicação da decisão de aprovação...
A não utilização das menções disponíveis pela sua redução prática à mais elevada ou pela sua eliminação formal concorrem decisivamente para um subtil deslizamento da democratização para a massificação na medida em que passa a imperar uma cinzenta homogeneização dos méritos relativos. Decorrem daqui várias consequências, nomeadamente a fragilização dos referenciais de qualidade, o desincentivo ao aprofundamento dos níveis de investigação, a ausência de indicações seguras para potenciais empregadores e, claro, o desprestígio dos graus em causa.
Vemos que, desta forma, a benevolência não constitui aqui uma qualidade mas um enorme defeito.
Parece-nos que há uma persistente dificuldade de adaptação à passagem de um regime selectivo por elitismo social para um outro em que a aplicação da democraticidade social, afirmando-se pelo reconhecimento do direito de entrada (dentro de condicionamentos específicos das competências de acesso, segundo estritos critérios técnicos e científicos) terá de ser seguida por um exigente ? e igualmente tutelado ? percurso de formação especializada e de prática investigativa. Acresce que, definidos critérios e níveis de exigência, a hierarquia das classificações e das menções não só passará a espelhar a diversidade dos diferentes desempenhos como terá mesmo um efeito regulador sobre os processos pedagógicos e de pesquisa. Por outro lado, todos perceberão que, cumpridos os requisitos fundamentais de cientificidade e rigor, poderão ter acesso a diplomas que, embora dessacralizados, não perderam a sua reputação e eficácia. Cultivar-se-ão assim as elites imprescindíveis para a formação consequente e a todos os títulos inadiável dos nossos quadros com classificações que poderão corresponder com as suas diferenças às reais necessidades das várias empresas, escolas, serviços e respectivos estádios de desenvolvimento.
Não pode, entretanto, o nosso sistema de ensino dar-se ao luxo de desbaratar recursos e energias com uma sistemática e igualmente nociva rejeição da possibilidade de os estudantes concluírem os seus projectos de pós-graduação. Através da aplicação, pela negativa, da mesma redução da grelha de classificações o estudante é, por vezes, levado, se não for julgado excelente, a ter de abandonar os seus propósitos de obtenção de um diploma de mestrado ou de doutoramento quando, no nosso entender, até ao nível mínimo de Bom, estes graus deveriam ser concedidos com toda a naturalidade.
Hierarquizar segundo o mérito de cada um faz parte da democratização do ensino e da investigação e é exactamente o contrário de homogeneizar ou de excluir numa atávica mistura da incapacidade de distinguir com a sedução pelo autoritarismo.


  
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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