Joseph Stiglitz, no seu livro Globalização ? A Grande Desilusão (Terramar, Lisboa, 2002), afirma lucidamente: ?Hoje, a globalização não funciona. Não aproveita aos pobres do mundo. Não resolve os problemas ambientais. Não contribui para a estabilidade da economia mundial?. Com efeito, ?as regras do jogo económico mundial são fixadas em função dos interesses dos países industriais avançados e não dos que estão em vias de desenvolvimento?. Este Prémio Nobel da Economia sabe, sem margem para dúvidas, que a falsa globalização neoliberal esconde que há uma globalização alternativa, ancorada no respeito pelo homem todo e por todos os homens considerados iguais no areópago da ONU.
Nenhum homem informado do nosso tempo é contra a globalização ? mas contra a globalização ao serviço dos mais fortes e poderosos, a qual sustenta e reproduz o trágico dualismo da sociedade actual, onde as elites mais cultas são funcionários do Estado ou da Alta Finança e às massas alienadas pelas Grandes Centrais de Manipulação da Opinião Pública se distribuem, como no tempo dos romanos, ?panem et circenses? (pão e circo). Em Portugal, por exemplo, um Benfica-Sporting, ou um Benfica-Porto, em futebol, são, durante dias incontáveis, o acontecimento mais importante de um país onde o desemprego prolifera, onde os sistemas de saúde e de educação se encontram condicionados e bloqueados pela asneira falante da incapacidade estatal. É preciso dizê-lo, sem receios, a democracia política, mesmo na Europa, mostra-se incapaz de institucionalizar a democracia social. E, por isso, o proletariado, hoje, sabe ler e escrever, mas não sabe criticar, discernir, ajuizar o mundo onde vive. A globalização neoliberal caminha a par com uma tremenda ignorância colectiva. É assim possível falar num Ano Europeu de Educação pelo Desporto, quando o próprio Desporto (refiro-me ao mais publicitado e propagandeado) constitui uma afronta aos mais elementares princípios da Ética e da Moral? Um Desporto que aplaude os vencedores e esquece ou deprecia os vencidos potencia necessariamente o egoismo, o individualismo, o narcisismo. A separação, aplaudida pela tradição mais acrítica possível, entre o físico e o psíquico, com o esquecimento da dimensão sócio-política, não se produziu por acaso. Quanto mais físico for o Desporto, mais apolítico e acrítico ele será. É o reino das bestas esplêndidas: são velozes, ágeis, fortes... mas não pensam! E assim os governos que a sociedade de mercado controla não temem quem faz desporto, mas... quem pensa! Os milhões de euros que se gastam com o espectáculo desportivo têm o aplauso dos governantes fartos de saber que ele conformiza e cloroformiza multidões. Os meses de Junho (Euro-2004) e Julho (Jogos Olímpicos) vão propiciar-lhes dois meses de férias, em que ninguém vai descer à liça, lembrando os graves problemas sociais que nos afligem. Não sou um polemista, na vera acepção da palavra. Para o polemista todo o floreio externo se damasquina de verrina, zombaria e troça. Por vezes, ele visa chafurdar o adversário na lama da mesquinhez, da verrina, da zombaria. Ora, eu o que pretendo é criticar, no sentido etimológico do termo, isto é, separar o trigo do joio, dizer o que, no meu modesto pensar, é bom ou é mau. Não acredito que o Ano Europeu de Educação pelo Desporto consiga ultrapassar o carácter biomédico e técnico, que é apanágio de um desporto neutral, bem comportado, à maneira do ?ancien régime?. O que há de livre e libertador, na prática desportiva, não emerge no abandono e na recusa do político. No entanto, nada melhor para minimizar a esfera política do que invocar que são meramente técnicos e médicos os problemas desportivos. Ou, no meio de uma cascata de asneiras, jurar, a pés juntos, que a prática desportiva liberta os atletas do consumo da droga, quando o doping campeia, como se sabe, pelo Desporto. Na sociedade de mercado, onde tudo se transforma em mercadoria, tudo se compra e se vende, até no Desporto. Não passa de um puro sofisma e de uma falsidade proclamar que o Ano Europeu de Educação pelo Desporto vai transformar, etica e moralmente, a prática desportiva. Cá estamos para ver! Uma prosa embaladora; meia dúzia de slogans e de palavras-de-ordem; uma ou outra iniciativa pública, com criancinhas muito bem vestidas; pouca imaginação e uma assustadora ausência de equipamento doutrinário ? nada disto contribuirá para um desporto novo. Há, nas minhas palavras, a acidez corrosiva do mero rancor? De modo nenhum, até porque não odeio ninguém. Mas não deixo de acrescentar que, louvaminhados e turibulados por uma afogueada subserviência subfascista, muitos dos actuais promotores do Ano Europeu de Educação pelo Desporto não estão em condições psicológicas e sociais para uma crítica sagaz das causas primordiais que enodoam o desporto actual... a começar na competição desmesurada que despeja, no espaço desportivo, as cenas mais lamentáveis! Às suas resoluções (que não acredito possam aproveitar-se) acontecerá o mesmo que às resoluções da ONU: sucedem-se umas às outras e poucas são aquelas que efectivamente se cumprem! Afinal, é a lei da Força e não a força da Lei que efectivamente se cumpre! Mas, dir-se-á, no Desporto não há guerra! A mão lenta, rendilhosa, elegante de alguns estudiosos do Desporto e os jornalistas rendidos à hora pandémica de uma só bandeira ? não poderão esconder nunca que o Desporto que aí está, como afinal quase tudo o que aí está, se encontra ao serviço de um determinado tipo de sociedade e, por isso, inquinado por uma subtil atmosfera de imperialismo tecnológico e financeiro! E onde há imperialismo há desigualdade ? há guerra, inevitavelmente!
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