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Larguem os touros no Conselho de Ministros

Diz a piada que um pessimista é aquele que, perante uma situação degradada, diz: «isto não pode ficar pior». Um optimista é aquele que, perante a mesma situação, afirma: «isto ainda pode ficar pior».

É verdade que em política o poço nunca tem fundo. Isto é, numa perspectiva optimista a coisa pode ficar sempre pior. É assim que, perante a actual situação do país, estou optimista.
Acorda-se pela manhã e escutam-se logo noticias animadoras. Hoje, por exemplo, fiquei a saber que ? à semelhança do que fazem os pilha-galinhas do nosso comércio e industria ? o Ministério da Justiça cobrou descontos aos trabalhadores e não os entregou à Segurança Social. Aqui temos um belo exemplo de cumprimento da lei e de combate à fraude fiscal!
Olhando a vida política portuguesa com o olhar optimista da piada, eu não tenho dúvidas que os senhores Durão e Portas vão continuar a disparatar até que lhe tirem ou se lhes acabem as pilhas. A tentação de muitos políticos, que governam em maioria absoluta, é a de se porem a cuspir da varanda sobre os populares que lhes passam por baixo. Parece que isso os anima e descontrai. É o que este governo tem feito de forma desastrada e arrogante.
João Benard da Costa lembrava recentemente que se dizia, na primeira metade do século XIX, na corte do nosso obeso D. João VI que o rei era bastante desbragado. ?Comia pernas de frango que tirava dos bolsos, enquanto metia a mão por baixo das saias das raparigas? deliciando-se no apalpão às coxas de frango e das moças. Em Portugal vivemos um novo tempo de desbragamento. Baixam-se os impostos e fazem-se todas as vontades aos que já têm muito ? dão-se-lhe coxas de frango ? enquanto se explora, se amesquinha e se humilha o povo. O nosso Governo banqueteia os poderosos à custa da exploração dos mais fracos. É um governo de peito ancho, perante os mais fracos, e de cauda caída perante os poderosos.
Este Governo do PSD/PP vai ficar conhecido como o governo dos ziguezagues, das paragens e dos cortes. Extinguir, fechar, parar e cortar, são as palavras mais ouvidas nos corredores governamentais. Tem um primeiro-ministro profissional da vacuidade e de boca cheia de futuro. Ignorando que o poço da política não tem fundo, vão dizendo que já lá batemos e anunciando a retoma no futuro. Virá tudo no futuro. Caminhamos para a retoma, para a felicidade e para o desenvolvimento como quem caminha para a morte. É coisa certa. Um dia virá. Só não se sabe quando.
Os nossos dois queridos lideres estão bem acompanhados no governo. Um exemplo. Com o seu ar seráfico, o Ministro do Trabalho vai levando avante a sua cruzada. Por ele, o Ministério do Trabalho da Solidariedade e da Segurança Social, perdia a Segurança Social e a Solidariedade e ficava só do trabalho escravo. Com persistência vai destruindo o frágil modelo social que se vinha, apesar de tudo, construindo. Fez um cocktail onde misturou os malandros, os pobres, os excluídos, os desempregados, os reformados, os aldrabões e os doentes. E vai tomando medidas tendo por objectivo combater este grupo imaginário de madraços. Tal como o resto do seu governo, está obcecado pela pequena fraude dos pobres e ignora a grande fraude fiscal dos ricos e poderosos.
Como se conta noutra anedota quando eles chegaram ao governo o País estava a um passo do abismo. Agora já demos um passo em frente. Fomos e continuamos a ser empurrados para o desgoverno. Aos diversos níveis da hierarquia do poder instituído, somos governados por uns rapazolas desbocados e aparvalhados e por umas mulheres sem ponta por onde se lhes pegue. Dizem tudo fazer em nome do déficite e do mercado. A verdade é que estamos a caminho de ficar sem direitos sociais, sem reforma, sem emprego, sem Estado, sem crescimento económico, nem desenvolvimento, nem consolidação das tais malditas finanças públicas.
Nesta República SARL (Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada) Jorge Sampaio pela manhã apela à solidariedade social, à coesão, à protecção dos mais desvalidos e pela tarde promulga as leis que hão-de tornar os fracos ainda mais fracos. Veja-se o que aconteceu, por exemplo, com o código de trabalho, a lei da segurança social, a das reformas ou, mais recentemente, a do subsídio de doença.
Oficialmente o governo é de direita e não de extrema-direita, mas é a extrema direita económica, social, cultural e política quem está, de peito feito, no governo.
Face ao desemprego que se propaga mais depressa do que a gripe dos frangos, o governo cruza os braços, fecha os olhos e intimamente regozija-se pois acredita que a onda de desemprego não é mais do que o mercado a livrar-se dos fracos e a fortalecer o tecido empresarial.
Este é o País da UE onde as relações de trabalho são mais frágeis e precárias, onde o trabalho é mais mal pago, e, ao mesmo tempo, é aquele onde o patronato mais ladra contra a rigidez das relações de trabalho e contra os salários altos. Agora, a estes velhos latidos privados juntam-se os do governo contra os salários e os direitos dos trabalhadores da administração pública.
As crenças primárias e egoístas dos (neo)liberais e (neo)conservadores leva-os a uma persistente pregação. Pregam-nos a excelência do deus mercado e a necessidade de vender o Estado a retalho. Se pudessem, e fosse do interesse dos poderosos, eles até privatisavam os cometas. E mandar-nos-iam para lá trabalhar com um contrato precário, o salário mínimo e um bilhete de ida sem regresso.
D. João VI deliciava-se com as coxas das moças e dos frangos, já o filho, o absolutista D. Miguel, organizava largadas de touros contra os ministros reunidos em conselho. Não é má ideia! Olhem uma largada agora! Imaginem os ministros em debandada e a ministra das finanças, de tesoura em riste,  e a gritar: ? «eu corto, eu corto, eu corto». As orelhas dos bichos? As do povo?
Vivemos de profecias. Anunciam a ruína da República já amanhã ou a sua salvação no dia seguinte. No meio do ribombar dos insultos e das ameaças, dos cortes de salário e de direitos a quem trabalha, também nos mandam vencer o desânimo,  o pessimismo, a tristeza, a depressão. Coisa fácil. Basta mudar de governo. Não é?
Como diz a piada, eu sou um optimista. Isto ainda vai ficar pior.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 131
Ano 13, Fevereiro 2004

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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