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I ? Portugal e/imigrante

Textos bissextos: rubrica que arranca com o novo ano - 2004, bissexto segundo o calendário, e connosco que aqui estaremos bianualmente num sexteto à procura de uma partitura possível. Os bissextos regressam de quatro em quatro anos. Mas nós, por essa altura, não prometemos estar cá; é que o mundo dá tantas voltas... Naturalmente, de docentes e investigadores originários de instituições diversas, com formações académicas distintas e diferentes posicionamentos político-educacionais espera-se uma rubrica eclética e diversificada no estilo e na temática, ainda que girando em torno da ?educação e cultura". O experimentalismo temático queremos que seja o refrão e a inquietação crítica a razão de ser? para além disso, apenas a provável certeza de que este ano, com textos bissextos, teremos mais um dia no resto das nossas vidas?

«Passam as horas neste cais
embaladas nas ondas?
? E tu, ó emigrante, já 5 vezes foste e já 500 vieste
e agora já não tens mais mundo para onde ir,
nem mais onde te escondas!?»
(?Oceano Pacífico? in Mar Coalhado, Branquinho da Fonseca)

A sociedade portuguesa tem vindo a sofrer acentuadas transformações no domínio da heterogeneidade étnico-cultural, mais visível no litoral e, em particular, nas grandes áreas metropolitanas. Inverteu-se o sentido da mobilidade: deixámos de ser o tradicional país de emigração. Dessa epopeia ficam-nos os números impressionantes: 5 186 719 emigrantes portugueses espalhados por todo o mundo (um pouco mais de 50% do total de residentes no território nacional); 63,5% nas Américas e 26,4% na Europa. Mas este movimento não cessou: só na década de 90, saíram do país, em média, 30 mil pessoas/ano. Uma emigração cada vez mais temporária (85,5% em 1999) e com destinos predominantemente europeus (em cada 10 ?emigrantes?, 9 escolheram a União Europeia e a Suíça, onde ganham duas ou três vezes mais). Segundo um estudo da CGTP, os baixos salários e as más relações de trabalho constituem as principais razões para a ?fuga? destes trabalhadores da sua pátria. De acordo com dados da Organização Internacional das Migrações, divulgados em Junho passado, os portugueses estão em 6º lugar no que respeita à remessa de emigrantes (tinham enviado para o país 3,1 milhares de milhões de euros, em 2000). Estas remessas representam cerca de 3% do PIB (tenha-se como termo de comparação os 2,7% do turismo ou os 2,4% do investimento estrangeiro).

Tornámo-nos, entretanto, um país de imigração, num movimento cujos primórdios está associado ao desmoronar do império colonial. Em 1961, a anexação de Goa, Damão e Diu trouxe para Portugal (e Moçambique) cerca de 20 mil pessoas; movimento que se acentuou nos meados dos anos 70, do século XX, com a descolonização e a chegada massiva de quase um milhão de ?retornados?. Para nos anos 80 o número de imigrantes superar, pela primeira vez, as saídas legais. Nas duas últimas décadas, a corrente imigratória acelerou-se com o número de imigrantes a passar dos cerca de 50 mil para os actuais 450.000 (56% dos quais com «autorização de residência» e os restantes com «autorização de permanência»); esta evolução recente aparece sumariada na tabela que se segue:

ANOS

IMIGRANTES

1981

54 414

1990

107 767

2000

207 607

2001

350 503

2002

423.580

2003

450.000

(Fonte: SEF)

Segundo dados de 1997-98, a incidência de estrangeiros em Portugal era de 1,7%, o 3º país da UE com menor percentagem, depois Finlândia e a Espanha que registavam valores ainda mais baixos. No entanto, na década de 1986-96, o índice de crescimento atingiu os 170 (o 4º mais alto da União). Todavia, foi no ano de 2001 que a imigração subiu de forma mais intensa. De 1999 a 2003 o número de imigrantes registou um aumentou de 134,2%. Hoje, a percentagem de imigrantes sobre a população portuguesa já é de 4,5% (contra os 25% da Suíça e os 11% da Suécia), o que nos coloca como o 2º país ?mais atraente? da bacia do Mediterrâneo Ocidental (daí a nossa participação no «Diálogo 5+5», instituído em 1990, e que reúne os Chefes de Estado e de Governo de Portugal, Espanha, França, Itália e Malta + Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia; o mais recente encontro ocorreu a 5 e 6 de Dezembro, em Tunes, com as migrações e a segurança na agenda de trabalhos).

No entanto, «a imigração ilegal aumentou de forma acentuada» como o reconhece o governo no preâmbulo do novo decreto-lei sobre imigração (DL nº 34/2003 de 25 de Fevereiro) ainda que a sua quantificação continue pouco precisa: o Executivo fala em 50 mil, uma associação imigrante avança com 100 mil, mas um funcionário do SEF, em declarações a um jornal diário, estimou-a em 200 mil (ou seja, quase metade dos legais!). E isto apesar de já termos tido dois períodos de legalização ? 1992 e 1996. Após o que, entre Agosto de 1998 e Fevereiro de 2003, se publicaram quatro diplomas legais (da Assembleia da República e do Governo) sobre imigração, o que reflecte bem, nesta área, as mudanças que se estão operando. A actual legislação, que terá outros desenvolvimentos no Plano Nacional de Imigração (previsto no Programa do Governo), instituiu, pela primeira vez, o sistema de quotas (antecipando-se à própria UE; só em 12/9/03, a presidência italiana viria a propor um estudo que conduzisse ao estabelecimento de quotas). Ora o nosso Conselho de Ministros, de 6/6/02, já definira a quota de 27 000 imigrantes. E a partir de agora, um relatório, de 2 em 2 anos, descriminará quantos estrangeiros podem entrar em território nacional, para que sectores de actividade e para que zonas do país.
De facto, nestes últimos anos, temo-nos tornado num país de acolhimento dos africanos negros fugidos das guerras civis e da pobreza nos PALOP, dos brasileiros à procura de melhores condições de vida, tal como os europeu do leste, na sequência da implosão do Bloco Soviético, mas também de europeus comunitários, com a nossa adesão plena, em 1986, à UE, para além dos orientais, com o fechar do nosso ciclo imperial. Portugal é, neste início de milénio, um país marcadamente multicultural e esta matriz tende a acentuar-se com ?Portas? abertas ou fechadas.

(continua em Junho; no próximo mês aqui estará a minha colega e amiga Darlinda Moreira)


  
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal
Luís Souta
Instituto Politécnico de Setúbal

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