Página  >  Edições  >  N.º 130  >  Contra o "sistema"

Contra o "sistema"

6º Congresso do Sindicato dos Professores do Norte

Não querem que a contestação se confunda com a tomada de posições fixas em relação aos assuntos criticados. O Sindicato dos Professores do Norte (SPN) realizou o seu 6º congresso em finais de Novembro de 2003. Durante três dias os delegados ao Congresso debateram o estado da Educação em Portugal. Sob o lema ?Educar para a Democracia ? Construir uma escola solidária? o SPN quis mostrar a diferença entre a escola que os professores têm e a que deviam ter.

A antecâmara da sala do congresso vai enchendo. Um aperto de mão aqui, um beijo acolá. Sorrisos agitados. Nas páginas de um jornal diário o motivo da agitação. Um caso de alegado favorecimento na colocação de duas professoras denunciado pelo Sindicato dos Professores da Zona Centro. Mesmo a calhar. Entre uma assistência de dirigentes e delegados  ao congresso, a notícia faz as conversas da manhã. ?Não é o primeiro, nem será o último?, alguém atira. Entramos. Na plateia sobram poucas cadeiras vazias. São 9h40. É hora de abrir as ?hostilidades?.
O principal alvo de critica é a proposta governamental para a nova Lei de Bases da Educação. Considerada como um ?retrocesso? relativamente à actual legislação tem sido contestada pelas forças sindicais ligadas ao ensino desde que saiu da gaveta ministerial. As ?complicações administrativas? dos agrupamentos verticais, a desertificação escolar nas zonas rurais do país, a falta de auxiliares de acção educativa nos estabelecimentos de ensino, vêm engrossar a lista das contestações. À qual já não são alheias questões como os rankings das escolas, o desemprego e instabilidade na classe docente e a alteração à lei das aposentações. As reivindicações percorrem todos os graus de ensino.

Do pré-escolar ao 1º ciclo

Dizem-se os mais desprezados pelo ?sistema?. Os educadores do pré-escolar há muito reivindicam mais atenção para este sector do ensino. Não querem ser vistos como ?guardadores de meninos? mas sentem que não escapam a esse estigma. ?O governo é o primeiro a alinhar nessa ideia?, diz Maria Pureza, educadora de infância. Se não, advertem os sindicalistas, porque é que o calendário do pré-escolar não é idêntico ao do restante Ensino Básico?
Neste cenário, torna-se difícil passar a mensagem de que o jardim-de-infância não pode ser o lugar onde as crianças chegam a passar 12h por dia. Algo que, segundo Maria da Pureza, as famílias começam a entender: ?os pais estão mais conscientes da importância educacional do pré-escolar?. Por isso, ?muitos não entendem por que é que os filhos tinham interrupções lectivas para o desenvolvimento de actividades socio-educativas ? idas ao cinema, passeios, etc. ? e agora não têm?, realça a educadora.
Numa altura em que 77% do total nacional de crianças entre os três e cinco anos frequenta a educação pré-escolar repartindo-se equitativamente entre as redes pública e privada, uma das exigências do SPN é a obrigatoriedade de frequência do pré-escolar no ano anterior ao do ingresso no 1º ciclo do Ensino Básico. O que, dizem os sindicalistas, implicaria um forte investimento na rede pública, a construção de equipamentos adequados ao desenvolvimento das componentes educativa e socio-educativa, a diminuição do ratio educador/aluno. No entanto, alerta Júlia Vale, dirigente do SPN, a actual situação da rede pública mostra precisamente o contrário. ?É notória a intenção do governo em privatizar para rentabilizar?, assegura. E acrescenta: ?O Ministério da Educação está-se a desresponsabilizar remetendo a educação pré-escolar para a alçada das autarquias e das Instituições Particulares de Solidariedade Social.?
Lado a lado com os educadores de infância estão os professores do 1º ciclo. Para Ângela Ávila, dirigente sindical e professora do 1º ciclo é tempo de o Ministério da Educação perceber que estes dois níveis de escolaridade ?são a base de sustentação do sistema de ensino?, logo ?têm de ser olhados de outra forma?. De modo a que não se repitam pelas escolas do 1º ciclo situações como aquelas com que tem vindo a lidar. Enquanto coordenadora da Escola Básica de 1º ciclo de Chouselas, Vila Nova de Gaia, Ângela Ávila lamenta o atraso na distribuição das verbas e o número insuficiente de auxiliares de acção educativa: um para cerca de 70 alunos.
A alteração ao regime de docência do 1º ciclo é outra das bandeiras do SPN. A alternativa à actual monodocência é a introdução das equipas educativas, coordenadas pelo professor titular da turma e integrando docentes em áreas específicas. Uma solução que para Maria Cândida, professora do 1º ciclo seria bem vinda. Até porque na sua opinião o facto de o professor ter todas as áreas curriculares a seu cargo acaba por prejudicar algumas delas. ?Sobretudo as das expressões e do estudo do meio?, aponta a professora. ?Se houvesse uma pluridocência cada um dos professores podia preparar-se melhor na sua área.?
Rui Areal, professor de Educação Física concorda com esta opinião. E acredita que a introdução da disciplina no 1º ciclo ?seria benéfica? para os alunos. Fala por experiência própria. Uma hora por semana, Rui Areal lecciona nas escolas do 1º ciclo do município da Maia. Mas esta é uma iniciativa que poucas autarquias copiam devido à ?falta de condições? para o desenvolvimento da actividade. Além disso, esta alteração poderia, segundo Rui Areal, contribuir para ?aliviar a situação da não colocação de professores?. Por outro lado, há quem veja na equipa educativa um perigo. Sobretudo se ela acarretar a perda do estatuto da monodocência.

Do 2º ciclo ao Secundário

Em 2001, um em cada quatro alunos abandonou a escola no início do Ensino Secundário. O que faz com que Portugal seja o país da União Europeia com maior taxa de abandono escolar. E o mais atrasado ao nível da escolaridade secundária da OCDE. Estes números apresentados por Henrique Borges mostram, segundo o dirigente sindical, que ?a degradação do Ensino Secundário tem sido contínua.? Um cenário que a proposta governamental para a nova Lei de Bases da Educação ?pode vir a agravar?, acrescenta.
O diploma que propõe a alteração da actual Lei de Bases do Sistema Educativo tem sido objecto de grande contestação no meio sindical. Entre os pontos negros da proposta destaca-se a reorganização do Ensino Básico e Secundário. Sendo que o primeiro abandona o esquema de três ciclos de quatro, dois e três anos e é reagrupado em dois ciclos de quatro e dois anos. O secundário deixa de ser apenas composto pelos 10º, 11º e 12º anos e passa a englobar também os 7º, 8º e 9º anos sendo reorganizado em dois ciclos de três anos cada.
Com o término do Ensino Básico a fazer-se no final do 6º ano, os sindicalistas acreditam estar aberta a via para a antecipação das escolhas vocacionais que actualmente apenas ocorrem no 9º ano. O que a acontecer ? dizem ? vai originar a que os pais acabem por fazer a escolha vocacional pelos alunos, cuja idade no limiar da escolaridade básica rondará os 12 anos. Por isso o SPN defende a manutenção da actual estrutura do Ensino Básico: uma escolaridade de nove anos com um tronco curricular comum. No contexto do alargamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos a manutenção deste tronco comum de conhecimentos torna-se ainda mais importante, asseguram os sindicalistas. Para Henrique Borges outro dos problemas do Secundário é o facto de este ser ?unicamente orientado para o [acesso ao] Ensino Superior?.

Do Superior

Querem que o Estado encare o Ensino Superior como um investimento nacional a longo prazo. E não como um peso no orçamento. Mas ?com a nova proposta de Lei de Bases da Educação a tónica deixa de estar na obrigação do Estado em promover um ensino público superior de qualidade e com ele a investigação científica?, inquieta-se Rogério Reis, dirigente sindical.
A questão dos custos do Ensino Superior tem sido a pedra de toque da discussão em torno da matéria. O problema é que ?a lei sobre o financiamento não tem sido cumprida?, acusa o dirigente sindical. ?Nem por este, nem pelos anteriores governos?, frisa. O que tem sido prática, acusam os sindicalistas, é os governos subtraírem das verbas a transferir para o funcionamento das instituições os valores previstos para a cobrança das propinas. Este incumprimento, segundo Rogério Reis, tem colocado as instituições de ensino ?numa situação de dependência? mesmo para o pagamento da luz e da água.
Neste cenário, Rogério Reis considera ?legítima? a luta estudantil contra as propinas. ?A questão que os estudantes colocam, muitas vezes não da melhor maneira, é que a justiça social não pode ser feita a jusante do sistema fiscal tem de ser feita a montante?, defende.
A utilização dos aspectos ?essencialmente negativos? da Declaração de Bolonha é outra das questões que tem inquietado Rogério Reis. ?Existem mecanismos propostos da declaração que não estão a ser cumpridos pelos países que os propõem, mas que Portugal como bom aluno está a exacerbar?, critica o sindicalista. Mecanismos que segundo Rogério Reis ?estão a permitir que a escolaridade seja drasticamente diminuída e que não seja contabilizado aos docentes um trabalho de acompanhamento que é resultado desta diminuição.? Diz o sindicalista que esta actuação ?tem como objectivo a redução dos quadros das universidades públicas?. E visa ?tornar o ensino público [superior] instável e passível de intervenção do privado?. Nada que surpreenda os dirigentes e delegados sindicais presentes no congresso. Do pré-escolar ao superior é consensual que o combate sindical se fará contra o que dizem ser a vontade governamental de ?privatizar para rentabilizar? a Educação.

Coffee & Break

?Os pais não entendem porque é que os filhos que estão no pré-escolar tinham interrupções lectivas para o desenvolvimento de actividades socio-educativas ? idas ao cinema, passeios, etc. ? e agora não têm.?
Maria Pureza, educadora de infância, sobre o calendário do pré-escolar.

?O professor do 1º ciclo acaba por ter tudo a seu cargo, logo algumas áreas ? como as expressões e o estudo do meio ? ficam prejudicadas em relação a outras. Se houvesse uma pluridocência cada um dos professores podia preparar-se melhor na sua área e os alunos iriam beneficiar disso.?
Maria Cândida, professora do 1º ciclo do Ensino Básico, sobre as vantagens da pluridocência.

 ?Ouço muitas vezes os colegas a dizer que querem a reforma mais cedo, só pelo cansaço. Se tivessem outras condições de trabalho a profissão é tão gratificante que acho que eles continuariam.?
José Vieira, professor de Matemática e Ciências no 2º ciclo do Ensino Básico, sobre o desencanto com o sistema educativo.

?Concordo com a divisão dos anos de escolaridade, mas penso que seria mais importante uma revisão da componente curricular das várias disciplinas, tornando-as mais práticas para preparar melhor os alunos para a vida activa.?
Manuela Silva, professora de Inglês do 2º ciclo do Ensino Básico, sobre a reorganização dos ensinos Básico e Secundário.

?Penso que a Educação Física já devia estar a ser leccionada de forma obrigatória no 1º ciclo, mas ainda não existem condições suficientes para que isso possa acontecer.?
Rui Areal, professor Educação Física, no 3º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, sobre a alteração ao regime de monodocência no 1º ciclo.

?Na altura em que me aposentei, aos 65 anos, estava hesitante, até queria continuar, mas achei que já estava muito distante dos meus alunos em termos de idade e que eles ficavam mais satisfeitos com uma professora mais nova. Além disso, não quis que me acontecesse o que vi acontecer a alguns colegas meus que quiseram trabalhar até aos 70 anos e fizeram figuras tristes porque já não estavam em condições.?
Alda Gonzaga, professora aposentada de Electricidade nos cursos tecnológicos, sobre a nova lei relativa à aposentação.
   
(Opiniões recolhidas entre a assistência do 6º Congresso do Sindicato dos Professores do Norte)

Uma escola, uma luz na aldeia?

A desertificação escolar do 1º ciclo do Ensino Básico no meio rural é uma realidade com números concretos. O distrito de Bragança viu fechar 20 escolas no ano lectivo de 2002/03 e 17 no que corre. Das 350 escolas do 1º ciclo que abriram as suas portas em 2003/04, nove fizeram-no com apenas um aluno, 21 com dois e 45 com três. 

O futuro das escolas do 1º ciclo rurais está em aberto. A questão que se coloca é o que fazer com escolas que funcionam com um, dois ou três alunos? O problema da desertificação das escolas rurais para Américo Nunes Peres, docente na Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro ?não se resolve não fechando escolas?. Mas ?estruturando uma rede escolar com características completamente diferentes das actuais?, diz o investigador. Cristina Mesquita Pires, docente da Escola Superior de Educação de Bragança e outra estudiosa desta matéria, concorda. E vai mais longe: ?As crianças não devem estar em escolas com dois ou três alunos!?
A solução, alerta a investigadora, não pode, no entanto, desenraizar os alunos das suas comunidades canalizando-as para os centros urbanos. Pelo contrário: ?Devem-se desenvolver projectos inter-comunitários, agrupando várias escolas de aglomerados rurais e criando pólos com redes de transporte, cantinas e usando a monodocência coadjuvada, com um tutor, o professor do 1º ciclo.?
Américo Peres apresenta uma outra solução: a abertura da escola rural a outras valências. ?Uma escola com dois alunos pode simultaneamente ter um lar de terceira idade ou um centro de dia a funcionar com o projecto educativo de desenvolvimento comunitário.? Na opinião do investigador ?se a escola vive só numa perspectiva de educação formal perde [o seu papel] na construção da cidadania. A escola tem de fazer um laço perfeito com a educação formal e não formal, lutando pela democracia educativa que se faz com a alfabetização de adultos, com projectos concretos que dêem resposta às necessidades, aos problemas e às expectativas das populações.?
Seja qual for a alternativa, uma certeza se impõe, a sua realização requer um investimento e ?vontade política?, diz Cristina Mesquita Pires. ?O investimento maior teria de vir da parte das autarquias e das juntas de freguesia, mas cabe aos professores e também às Direcções Regionais de Educação o trabalho de sensibilização destas entidades para a importância deste tipo de projectos.?


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo