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Os nossos estudantes do superior

As universidades portuguesas, no âmbito de um fenómeno com contornos internacionais, vão abrindo cada vez mais as suas portas àqueles que as procuram em busca de formação contínua, de especializações e de pós-graduações. Trata-se de um público novo que começa mesmo a ser aliciado de forma crescente. Para o comprovarmos, basta ler com algum cuidado as páginas dos jornais em que os anúncios que lhe são dirigidos ultrapassam mesmo os referentes a cursos de formação inicial.

De uma maneira ou de outra, assiste-se a uma tendência para a democratização ? e até para a massificação ? designadamente dos mestrados e, progressivamente, dos doutoramentos, inclusive por força da pressão concorrencial das universidades estrangeiras, nomeadamente espanholas.
Por outro lado, a perspectiva de diminuição dos estudantes da formação inicial e as exigências impostas pelo financiamento público ou pela lógica privada têm aqui um papel igualmente decisivo.
Mas, será que as universidades já reflectiram maduramente sobre este fenómeno? Creio que não, embora tenha chegada a altura de o fazerem. Este artigo pretende ser um pequeno contributo nesse sentido ...
Em primeiro lugar, importa que identifiquemos estes novos estudantes. Quais são as suas motivações?
Eles são maioritariamente:
- Diplomados que não encontraram emprego.
- Profissionais que buscam a progressão ou a reconversão profissionais.
- Pessoas movidas por simples curiosidade intelectual.
Significa isto que as suas idades e interesses são diversificados. Uns, prolongam a sua adolescência social; outros, reencontram-se como estudantes depois de terem pensado que essa experiência fazia parte de um ciclo da vida já definitivamente encerrado. Muitos, pelo menos em determinadas áreas, estimulados pela perspectiva de realização de velhas aspirações, dão um novo fôlego a percursos de requalificação académica iniciados com processos de equiparação à licenciatura.
Que fazem as universidades com estes estudantes? Várias coisas:
- Abrem-se a novos modelos de trabalho compatíveis com a iniciação a práticas de investigação.
- Prolongam os métodos tradicionais, comunicando investigação já feita.
No primeiro caso, contam com a participação empolgada dos estudantes ou então com o seu desfasamento; no segundo, reforçam a passividade cúmplice destes ou provocam a sua desilusão.
Recorde-se, entretanto, que neste ciclo de estudos era dominante a ideia de grande dificuldade e, com ela, a de admissão do fracasso. Assim se pode explicar, em muitas escolas, a percentagem ainda muito baixa daqueles que concluem as respectivas dissertações e teses. Só que, precisamente a massificação e a concorrência das universidades estrangeiras têm vindo a alterar este estado de coisas. Aceita-se, cada vez mais, por exemplo, que a genialidade não é mais uma característica necessária dos doutores e muito menos dos mestres. Paralelamente, as produções científicas destes estudantes deixam de ser valorizadas numa perspectiva estritamente individual para serem encaradas sob uma óptica de conjunto, de linha de pesquisa, a qual é importantíssima não só para a afirmação dos respectivos institutos ou centros de investigação como também para as universidades no seu todo. Criam-se, para além da lógica dos graus e dos diplomas, extensas e ricas reservas de saber que poderão ter aproveitamentos socialmente diversos e academicamente inesperados.
Mas, de uma forma geral, apesar do que fica dito, as nossas universidades, salvo honrosas excepções, têm tido, por exemplo, uma política desastrosa em termos de captação de estudantes estrangeiros, nomeadamente lusófonos, os quais constantemente encontram, por constraste, um bom acolhimento em universidades espanholas, procuradas, em alternativa, pela proximidade da língua.
Acresce que as universidades terão ainda de equacionar o papel dos seus novos estudantes na sua organização interna. De facto, não se pode continuar a apelar à entrada de alunos de pós-graduação para depois, quando se trata de definir políticas e estratégias, ignorá-los sistematicamente. Tem-se contado com a sua maturidade, a sua presença residual e a sua sobreocupação, as quais farão deles estudantes em tempo parcial ou simplesmente mais passivos. Mas, à medida que o seu número cresce, a sua idade desce e o desemprego sobe, quase numa tendência inversa à dos alunos das licenciaturas, cujas entradas diminuem de ano para ano, o seu peso institucional torna-se decisivo. As próprias associações de estudantes vão ter de repensar a esta luz a sua representatividade.
As bibliotecas talvez constituam o sector que, neste contexto, mais evoluiu, redimensionando os seus espaços, serviços e recursos. Mas, quanto não faltará fazer, entre outros aspectos, a nível de organização de salas, de horários, de cantinas, de reprografias, de políticas editoriais, de espaços de lazer, de métodos de trabalho, de relação com o meio, de requalificação pedagógico-científica dos docentes? ... Quase tudo ...
É que novos estudantes impõem novas universidades! ...


  
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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