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Desporto no feminino

À conversa com Paula Botelho, presidente da Associação Portuguesa Mulher e Desporto

Praticou atletismo e vela. Agora, diz, faz uma ?ginástica diabólica? para conseguir frequentar o ginásio. Paula Botelho é presidente da Associação Portuguesa Mulher e Desporto. Uma organização que pretende promover a participação da mulher no desporto e chamar a atenção para a discriminação ainda existente entre sexos. A PÁGINA foi conversar com ela durante o II congresso internacional «Mulheres, Desporto; agir para a mudança» promovido pela Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, da Universidade do Porto, onde também lecciona.

Quais são as formas mais recorrentes de discriminação na prática feminina do desporto?

Há discriminação aos mais distintos níveis desportivos. O mais flagrante acontece na alta competição onde há uma diferenciação dos prémios monetários. As atletas que estiveram presentes no congresso voltaram a sublinhar este facto. A Sameiro Araújo, há vários anos treinadora de atletismo, com obra feita, disse que uma das suas atletas recentemente não tinha ido a uma prova como forma de protesto por esta situação. A própria Rosa Mota confessou que isto já acontecia no tempo dela e que também já se havia recusado a participar numa prova pelos mesmos motivos.
Outra forma de discriminação dá-se ao nível dos escalões de formação. Em muitos clubes as equipas femininas são as primeiras a acabar assim que surgem dificuldades financeiras. Além disso, podia dar variadíssimos exemplos que comprovam que os piores horários de treino e os espaços menos bons em termos de condições são destinados aos escalões de formação das raparigas.

Que opinião tem da forma como o desporto feminino é tratado na comunicação social?

O desporto feminino recebe pouca atenção tanto da imprensa escrita como da audiovisual. Os percursos e as dificuldades por que passam as atletas quase não são objecto de notícia. A não ser que as atletas ganhem medalhas. Nessa altura elas passam a ser ?as meninas de Portugal?. Depois voltam a deixar de ser.
Quem folhear os jornais desportivos vê que 90% da informação é sobre futebol. Tudo o resto parece não existir. E tirando um ou outro articulista que reflecte sobre alguma questão importante, o conteúdo desses jornais é exactamente igual ao das revistas que as senhoras encontram nos cabeleireiros. Publicam-se artigos sobre se o Jardel está de bem com a esposa ou não; sobre a directa ou indirecta que o treinador tal mandou ao arbitro. Isto não é relevante para o desporto. Acho que o jornalismo desportivo também deveria ter a obrigação de fazer um pouco de pedagogia.

Existe uma ausência quase total de mulheres nos lugares de tomada de decisões das organizações desportivas, clubes e federações. Que consequências tem esta ausência ao nível da pratica desportiva feminina?

Pode ter várias. Desde as mais simples, ao nível do planeamento da época e dos horários de treino até às mais complicadas, como as questões de saúde. As atletas de alta competição queixam-se, por vezes, de que os treinadores não são sensíveis para alguns dos seus problemas. O próprio vice-presidente do Comité Olímpico de Portugal, o comandante Vicente Moura, ao ouvir algumas questões levantadas durante o debate em que participava confessou-se surpreendido por nunca ter pensado que uma atleta pudesse ter dores menstruais tão horríveis que a impedissem de correr. No geral, todo o acompanhamento das atletas poderia beneficiar da presença de mulheres nos lugares de tomada de decisão.

O que é preciso fazer para contrariar essa ausência?

Fazer com que os trabalhos nessas organizações desportivas sejam compatíveis com as outras funções que as mulheres têm. O que não acontece! A começar, por exemplo, no que aos horários escolhidos para as reuniões. Normalmente, tanto nos clubes e associações desportivas esses encontros acontecem à noite. Ora não é fácil para uma mulher chegar a casa no final de um dia de trabalho, fazer o jantar, deitar as crianças e depois ir para uma reunião no clube. É preciso criar condições para essa participação. Como outros países já fizeram.
Conto um episódio que reflecte bem esta problemática. Um dia alguém que estava a organizar um seminário sobre comunicação social e desporto decidiu convidar a jornalista desportiva da RTP Cecília do Carmo para participar. Mas a jornalista não aceitou o convite e justificou a ausência com o facto de o seminário coincidir com o seu dia livre altura em que ela resolvia um conjunto de questões relacionadas com os filhos. Para o organizador esta justificação foi vista como uma incongruência. Mas não é! A Cecília do Carmo trabalha toda a semana, como todos nós, e no fim-de-semana, quando as crianças estão disponíveis, ela está na televisão. Por isso, é perfeitamente compreensível que não pudesse prescindir do seu dia livre para ir ao seminário.

Uma lei que impusesse uma quota para a participação feminina, como existe na Noruega onde as federações são obrigadas ter 40% de mulheres nos lugares de direcção, resolvia esta questão?

Ajudava. Ainda que a quota de 40% seja de mais em Portugal! (risos) Mas acima de tudo é preciso saber cativar e criar condições para que as mulheres se sintam bem nesses lugares. Nos países nórdicos para facilitar às mulheres que estão na política um maior envolvimento durante as campanhas eleitorais é-lhes dada uma verba para contratarem uma ama que as ajude a tomar conta dos filhos. Tal como esta há pequenas coisas que se poderiam fazer a este nível para facilitar a participação das mulheres ao nível da administração dos clubes. 

Falemos sobre a escola. Disse-me que a aula tradicional de Educação Física poucas vezes tem em atenção o facto de uma turma ser constituída por rapazes e raparigas. Pode ilustrar esta ideia?

O modo como rapazes e raparigas sentem e vivem e o significado que dão às actividades são diferentes. Mas o modelo de aula tradicional de Educação Física, masculino e tecnicista ainda subsiste. Aqui o que interessa é ganhar. Ora muitas raparigas gostam de competir mas a maioria gosta de jogar pelo prazer e isto não é usual. Além disso, em regra as raparigas aceitam mais facilmente realizar actividades de que gostam menos. Ao passo que as actividades de que os rapazes menos gostam, porque entendem ?não serem de homem?, raramente aparecem na aula ainda que constem do programa. O futebol é a actividade que predomina. Mesmo no contexto informal. Basta passar por uma escola primária durante a hora do recreio e ver quem é que ocupa o espaço nobre do recreio? E quem anda nas franjas e a fazer o quê?
No ano passado foi feito nesta faculdade um trabalho onde se questionavam algumas raparigas do Ensino Secundário sobre as aulas de Educação Física. E elas diziam que não tinham a mesma oportunidade de aprender ? note-se que não disseram oportunidade de jogar ? que os rapazes tinham. Outras queixavam-se que se esforçavam nas aulas mas que ninguém reconhecia o seu esforço. Algumas diziam sentirem-se mal com algum clima de agressividade e violência que pairava sobre a aula. Algo que os professores por vezes não notam ou acham normal na prática desportiva.

O que pensa da proposta governamental para a Lei de Bases do Desporto?

Quais são os meios para a operacionalizar?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Paula Botelho
Presidente da Associação Portuguesa Mulher e Desporto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Paula Botelho
Presidente da Associação Portuguesa Mulher e Desporto
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

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