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O que é feito do LAL?

É VERDADE QUE ESTES ÚLTIMOS TEMPOS NÃO NOS TÊM DADO MOTIVOS PARA SORRIR DE ALEGRIA; ACABO DE LER, POR EXEMPLO, QUE «PORTUGAL É O PAÍS DA UNIÃO EUROPEIA ONDE É MAIOR O GRAU DE CONCENTRAÇÃO DE RENDIMENTOS?»

Penso muitas vezes na importância das pequenas coisas que dão a cor de fundo aos nossos dias. É o bom-dia do vizinho ao entrar no elevador, é o condutor da via com prioridade que nos dá a oportunidade de entrar desafiando um businão, são os sorrisos francos a acompanhar os obrigados, os desculpe, os faça favor; mas é também, e com muita frequência, a falta ou o contrário de tudo isto. As nossas preocupações pessoais ganham uma tonalidade mais ou menos sombria na proporção directa de umas ou outras dessas pequenas ocorrências aparentemente irrelevantes. São elas as gotas que enchem o nosso cálice e que ora uma brisazinha quente evapora  e ?Ah, vá lá, ao menos!? ora um floco gelado faz transbordar  e ?Só me faltava mais esta!?. São tão fáceis esses pequenos gestos simpáticos, é tão simples levantar os cantos da boca e sorrir, que acho mesmo que só não se praticam mais porque há ainda muita gente que não percebeu que, além do mais, eles têm um efeito boomrang. É verdade que estes últimos tempos não nos têm dado motivos para sorrir de alegria; acabo de ler, por exemplo, que ?Portugal é o país da União Europeia onde é maior o grau de concentração de rendimentos e onde existe a mais elevada diferença de rendimentos dos vinte por cento mais pobres e dos vinte por cento mais ricos?(1). Mas o sorriso é também uma forma expressiva e económica de exteriorizar solidariedade a quem dela precisa. Não estamos, afinal,  maioritariamente no mesmo barco?
Neste intróito desviei-me um pouco (ou não, porque tudo tem a ver com tudo e na origem do nosso descontentamento está sempre o egoísmo humano, traduzido no desrespeito pelo outro ou na indiferença quanto ao seu bem estar), desviei-me, dizia eu, da pequena coisa que motivou esta reflexão. Lembram-se daquele caderno que o Ministério da Educação distribuía anualmente ? o Lançamento do Ano Lectivo, o famoso LAL ? um precioso instrumento de apoio aos órgãos de gestão? Quanto tempo ele nos poupava ao indicar os procedimentos regulamentares, registando lateralmente o nome, número e  data do documento legal que os suportava!  Alguém sabe por que foi suspenso? Não foi certamente por falta de pessoal habilitado para o elaborar, que isso não condiz com o que ouvimos sobre o excesso de funcionários da administração pública. Não é por onerar o orçamento do estado, pelo contrário, o trabalho de uma única equipa  multiplicava por centenas o saldo de tempo dos órgãos de gestão das escolas, que assim ficavam mais disponíveis para iniciativas pedagógicas bem mais frutuosas e urgentes (a menos que não seja consensual o entendimento que temos sobre para que serve a escola). Quem lucra então com esta densa selva legislativa em que para se ficar informado sobre um procedimento ditado por uma portaria de duas páginas e meia, como me aconteceu, se é remetido pela mesma portaria para três decretos-lei, dois despachos normativos, outra portaria, dois despachos, e ainda a LBSE e o código de procedimento administrativo? Nem falo nas ramificações trazidas por estes, ou não sairíamos de tal emaranhado. Se a falta de clarificação dos normativos que nos regem aproveita a alguém, à escola e ao país seguramente não é.
Era tão simpático que a nossa tutela nos desse novamente LAL! Seria uma prova de consideração pelo nosso trabalho, mas sobretudo um passo seguro no sentido da clareza e da transparência. Se do tempo que com isso pouparmos pudermos retirar algum para ler revistas de especialidade, assistir a seminários, debates, ler obras literárias, jornais, ouvir música, ir ao cinema, ao teatro, a concertos, só será útil. Gente que só sabe da matéria do seu programa deve ser muito chata e duvido que consiga despertar muito interesse, tão poucas serão as pontes por onde a pode ligar com a vida em cada momento. 
Quererá a nossa tutela dar-nos esse sorriso? Ah, não esquecendo o ensino recorrente.

(1) Frei Bento Domingues; PÚBLICO; 16.11.03


  
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Edição:

N.º 129
Ano 12, Dezembro 2003

Autoria:

Manuela Coelho
Escola Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto
Manuela Coelho
Escola Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto

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