ENTRE OS EFEITOS DO NEO-LIBERALISMO, ENQUANTO FACE MAIS INQUIETANTE DA GLOBALIZAÇÃO, UM DIZ RESPEITO À CRESCENTE DIFICULDADE DO CIDADÃO COMUM LIDAR COM A INCERTEZA E A IMPREVISIBILIDADE, PRODUTOS E CONDIÇÕES DESSA MESMA GLOBALIZAÇÃO.
De uma sociedade em que as pessoas eram preparadas com a certeza dos saberes e das competências adequados para a intervenção social e profissional no futuro, passa-se, em poucos anos, para contextos em que escapam aos formadores/educadores, referências prospectivas que orientem a sua acção junto dos mais novos. Embora as incertezas sempre tenham sido atitudes características dos indivíduos face ao futuro, num passado recente, o mundo de cada um era mais pequeno e menos as variáveis com que tinha de lidar para o compreender. Assim, a previsibilidade ? com algumas certezas que pressupõe - tem sido um importante orientador da acção educativa. Agora, a velocidade e a complexidade da mudança, tornam muito frágeis as previsões, o que nos desafia a aprender a ensinar para a incerteza. Neste quadro de fundo, a orientação do currículo para o desenvolvimento das competências transversais - disciplinar, social e temporalmente - como prevê a revisão curricular, parece ser a mais óbvia e adequada. Sob o ponto de vista de atitude e de exigência profissional, esta orientação é, de facto, nova. Por isso, colocam-se resistências, de raiz histórica, ideológica e cultural, particularmente fortes. Em Portugal, as orientações (modas?) pedagógicas chegam em vagas sucessivas e, muitas vezes, contraditórias que dificilmente são assimiladas e consolidadas. A rapidez e a inadequação de algumas dessas orientações não vencem as estratégias (de sobrevivência) profissionais, entretanto desenvolvidas e consolidadas pelos professores. A continuidade e o apoio formativo, em que se incluem evidências para as vantagens da mudança, são essenciais à realização de qualquer processo de mudança de práticas sociais. Elas só ocorrem com a convicção ideológica de quem tem de as promover e realizar. Caso contrário, são assumidas como propostas técnicas, politicamente dirigidas que os professores têm a obrigação de cumprir. Não se questiona aqui a extrema importância de orientar, organizada e intencionalmente, o ensino para o desenvolvimento de competências de acção e intervenção social. É, para mim, a orientação acertada. As questões de fundo que sustentam a adequação do ensino para competências, são simples:
-
quais são as competências referenciais e estruturantes da intervenção útil de cada cidadão que prevalecem nas incertezas e imprevisibilidade das mudanças numa dada sociedade?
-
quais são os saberes e competências disciplinares que os alunos devem adquirir e desenvolver na escola para sustentar aquelas competências?
-
como podem esses saberes ser combinados e transformados de modo a virem a configurar competências de intervenção dos cidadãos em sociedades democráticas em mudança rápida?
Estas questões implicam competências dos professores para olhar sobre a sociedade em que agora vivem, as mudanças que agora nela ocorrem e prospectivamente sobre as prováveis mudanças que nela virão a ocorrer. Esta atitude permitir-lhes-á recolocar, retroactivamente, no processo educativo os saberes disciplinares necessários para aquelas competências. É com eles que a pessoa reconfigura atitudes e competências em função dos contextos. É na articulação das competências com os saberes que podem colocar-se alguns problemas em termos de gestão do currículo. Um é o perigo de as competências submergirem os saberes e sem vantagens à vista que seriam de esperar: o desenvolvimento das próprias competências. Não se desenvolvem as competências que era esperado desenvolver e não se adquirem os saberes que sustentam as competências. Uma observação feita no campo da minha experiência profissional, por isso limitada, permite identificar modos diferenciados de lidar com o desafio do ensino orientado para o desenvolvimento de competências. Uns ? os professores mais tradicionais ? mantêm-se fiéis à promoção dos saberes sem questionarem prospectivamente a sua utilidade; outros, mais novos, aderem às competências mas desvalorizam os saberes; outros, poucos, orientam a sua acção para as competências em articulação com a consolidação dos saberes que as sustentam; outros, concebem competências e saberes enquanto finalidades alternativas não integradas. E, no entanto, o movimento deve continuar. Mas, é preciso educar para competências não descurando os saberes.
|