TANTO TRABALHO SILENCIOSO, DE TANTOS E DE TANTAS, PARA QUE TANTA RIQUEZA FOSSE ACUMULADA E ALGUNS SENHORES E SENHORAS PUDESEM TER BELAS ROUPAS E BELAS JÓIAS, PELES TÃO BRANCAS, CABELOS TÃO SEDOSOS E MÃOS TÃO FINAS!
Retorno de uma longa conversa com Joyce King. Conversa que durou cinco horas, a mim parecendo meia hora. E ainda há quem acredite o tempo objetivo. Joyce King, doutora Joyce King, professora universitária nos Estados Unidos, mulher negra e militante em tudo o que faz. Afinal, como diz o Carlos Rodrigues Brandão ? o educador: vida e morte, também o militante é vida e morte, todo o tempo a vida que tangencia a morte, e, no fio da navalha, potencializa para novas ações. A entrevista é destinada à Página da Educação, mas hoje, quero compartilhar algo que, mais uma vez me uniu a Joyce. Contava-me ela, como um griot que, sem dúvida é, uma situação vivida por outra griot, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, ao assistir a uma exposição de fotografias que retratavam a história brasileira. Pararam Petronilha e o historiador Joel Rufino dos Santos frente à fotografia de uma família brasileira, no auge da cultura do açúcar ? plantation, diriam os sociólogos. Encantados com o aspecto estético da fotografia, comentavam o que a foto revelava dos hábitos, das relações, das famílias ricas brasileiras à época. Viam o evidentemente visível. Mas, eis que, de repente, não mais que de repente, Joel chama a atenção para o que não estava aparente na fotografia, mas que, para bons olhos, lá estava. O trabalho silencioso de tantos e tantas, que trabalhavam no campo para que tanta riqueza fosse acumulada pelos senhores do engenho e as senhoras pudessem ter belas roupas e belas jóias, peles tão brancas, cabelos tão sedosos e mãos tão finas. Quantos trabalharam para que na fotografia aparecessem panos tão delicados e finos naqueles delicados corpos, sapatos tão bem feitos e elegantes naqueles pés sem calos, gente sentada em móveis tão bem talhados, cercada de flores plantadas e colhidas por outr@s. E os detalhes iam aparecendo e os trabalhadores e trabalhadoras, escrav@s na sua maioria negr@s african@s, invisíveis embora presentes na fotografia que procurava retratar uma família bem posta brasileira, que se pretendia européia. E, finalmente, por trás das mãos finas e delicadas começavam a se mostrar as mãos grossas e calejadas de quem as usa como instrumento de trabalho. O rei aparecia em sua nudez. E concluíamos, Joyce e eu ? educação há que ser um processo de desvelamento do que tentam esconder os que detêm o poder e o usam, silenciando os que trabalham, para tranqüilamente usufruírem o resultado do trabalho de quem por eles é explorado. Tirar do silêncio os silenciados, é o que somos desafiad@s a fazer. Deixar aparecer o que tentaram esconder na fotografia de uma distinta família brasileira mazomba. Ajudar a tirar dos olhos a areia que neles é jogada para que não seja visto o que pode mudar o olhar de quem, passando a ver, se some à comunidade de esperança, a que se refere Joyce, se engajando na luta por um mundo melhor que, ainda que neguem os poderosos, é possível.
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