Página  >  Edições  >  N.º 128  >  E Os Pais?

E Os Pais?

ESCREVI ANTERIORMENTE, AQUI, SOBRE DOCENTES E DISCENTES. PENSO QUE SE JUSTIFICARÁ AGORA UMA REFLEXÃO SOBRE O OUTRO ACTOR SOCIAL DA CENA EDUCATIVA: OS PAIS.

Afirmei noutro lugar (Silva, 2003) que ?investigar a relação escola-família corresponde a visitar as margens do sistema educativo?, declaração que subentende a atribuição de um lugar secundário aos encarregados de educação na sua interacção com as escolas. Todavia, como também ali dou conta, este actor social tem vindo a adquirir um peso e uma visibilidade sociais crescentes na nossa sociedade. A mediatização de que muitas das suas acções são alvo, a generosidade que lhe tem sido sucessivamente manifestada pelo poder político, as inúmeras referências constantes de um vasto leque legislativo, estão aí a prová-lo.
A questão dos pais é complexa e longe de constituir um assunto puramente educacional, como nos lembra Nicholas Beattie. Todo o tipo de relacionamento entre escolas e famílias contém implícita uma concepção de escola e de sociedade. Acontece que temos vindo a assistir a uma proliferação de papéis, quer junto de docentes, quer junto de pais, num movimento parcialmente convergente de docentização parental e de parentização docente (Silva, 2003), o que, paradoxalmente, contribui tanto para uma menor capacidade de resposta de ambos os grupos como para um crescente mal-estar docente e; provavelmente, um crescente ?mal-estar parental?.
Acresce ainda que os pais não são todos iguais. E não me refiro às diferenças individuais, mas às de ordem sócio-cultural. A clivagem sociológica que perpassa pela actividade parental é significativa: perante a escola alguns pais são mais iguais do que outros. Os múltiplos sinais que lhes são enviados por parte da escola e do poder político são tão mais difíceis de descodificar para alguns, conquanto eles navegam entre uma pressão em crescendo a favor da participação e uma memória da sua própria escola, a que eles experienciaram enquanto alunos, que contrasta com aquela pressão. Vogam também entre práticas docentes e práticas organizacionais que, amiúde, desmentem o discurso que as acompanha.
Os pais sentem-se igualmente espartilhados entre o apelo a uma actividade de defesa directa dos interesses dos seus educandos e o apelo a uma actividade em abono de interesses colectivos. Na primeira situação temos o incentivo ao apoio em casa e à ida à escola sempre que solicitado, um apelo típico da escola e sempre nos termos desta (é reconhecida a sua capacidade de definir o que são os ?bons pais?); na segunda, temos situações como a actuação em associações de pais e a integração de órgãos da escola como representantes do restante grupo de pais, um apelo típico do poder político. No primeiro caso temos o envolvimento e o papel; no segundo, a participação e a voz.
A clivagem sociológica determina uma desigual capacidade de intervenção nestas duas dimensões de actuação. Na primeira, a individual e mais centrada na regularidade do apoio exercido no aconchego do lar, as diferenças sócio-culturais parecem desempenhar menor influência. Na segunda, a colectiva, tudo indica estarmos perante um ?ofício de classe média?, onde os efeitos induzidos pelo capital cultural parecem mostrar-se mais selectivos.
O ofício de ?pai de aluno? parece, assim, revelar-se tão mais difícil conquanto os pais (tal como os professores) não foram previamente preparados para a assunção de novos papéis. Esta dificuldade reforça-se, porém, junto daqueles que apresentam uma clara distância cultural face à norma escolar. E nem sempre este facto é entendido por todos os que têm responsabilidades na construção de pontes interculturais, sejam eles decisores políticos, administradores escolares, directores de turma, professores, dirigentes associativos dos pais ou outros.

Referência bibliográfica: Silva, Pedro (2003) Escola-Família, Uma Relação Armadilhada ? Interculturalidade e Relações de Poder, Porto: Edições Afrontamento.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria
Pedro Silva
Escola Superior de Educação de Leiria

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo