Cu aperomta cõ me vont revedere? (Com esperança em que nos voltemos a ver?)
Os olhos demasiado azuis-esverdeados para as paragens hispânicas, um rosto firme num corpo delgado. O sorriso amedrontado de quem pouco entende o que lhe dizem e o lamenta profundamente. Nina puxa a bagagem pela plataforma da estação de camionetas. Madrid ainda está fresca. São 10h da manhã. Talvez por ver em mim um reflexo de si mesma (a mesma altura e o corpo atravessado por alças de sacos e mochilas) acerca-se e pergunta com timidez: ?OPorto?? Respondo num portunhol parecido com a língua castelhana. Não me entende. Percebo-o pelo olhar desculpabilizante com que me mira. Tento o inglês. De novo o mesmo olhar. ?Pradza da Galidza??, pergunta enquanto mostra um folheto com os horários da viagem Madrid-Porto. Volto ao inglês e tento dizer que o meu destino é a Praça da Galiza, no Porto, e que por isso pode vir comigo. Ela encolhe os ombros. Em desespero, tiro da mochila um folheto de horários igual ao dela e aponto com o indicador o nome Praça da Galiza, depois levo o dedo ao externo e digo: ?Me Praça da Galiza too!? O olhos de Nina ganham um novo ânimo. ?Yes?, responde-me num misto de cansaço e satisfação. Nina viajava há três dias consecutivos desde a Roménia. O seu destino, o país onde o marido trabalhava há já dois meses como tipógrafo. Entre o casal 4 mil quilómetros de distância e outras tantas dificuldades. Da janela da camioneta Nina vira a Bulgária, a Áustria, a Itália, a França e a Espanha. Em três dias dormira seis horas. Pouco comera. A camioneta para Portugal estava à nossa espera no cais 60, o último da Estación Sur de Autobuses Méndez Álvaro. Colocamo-nos na fila para mostrar o bilhete ao condutor. Ouço-o a dar explicações aos passageiros em português, um grande aborrecimento para espanhóis, ingleses e franceses. Usa também a linguagem gestual e mostra já alguma impaciência. Digo-lhe ?bom dia?. Ganho um sorriso e uma atenção calorosa de quem sabe o quão falta nos faz encontrar alguém que nos entenda. As saudades do inconscientemente nosso, uma língua, um género de comida, uma paisagem, aumentam proporcionalmente ao tempo que passamos fora. Nina sobe para a camioneta à minha frente enquanto aproveito uns segundos de conversa com o condutor. Assim que me sento, sinto-me em casa. Com a Roménia a 3 mil quilómetros de distância, Nina partilha comigo um sentimento semelhante. No Porto, o marido está à sua espera para uma semana de férias. Depois não se voltarão a ver até que o contrato de trabalho de um ano de Kristian termine. A emoção estala quando Nina percebe que está apenas a sete horas de o abraçar. Estão casados há oito anos e nunca se haviam separado. Mas os 500 Euros que Kristian ganhará em Portugal serão 19,932,198 Leis na Roménia. E o amor em tempos de crise tem de passar para segundo lugar. Na Roménia, explica Nina, com o seu inglês de um ano de aprendizagem, ganha-se muito mal. O ordenado mínimo mensal oscila entre os 50 e os 200 Euros. Pego no bloco e passamos um bom bocado a comparar salários entre as mesmas profissões. Nina é enfermeira. Digo-lhe que se trabalhasse em Portugal ganharia seguramente cerca de 1000 Euros. Vejo o espanto no seu rosto. Depois encolhe os ombros e diz-me que um jornalista na Roménia ganhará perto de 300 Euros omitindo, disfarçadamente, o quanto ganha um enfermeiro. A conversa segue a contagotas. Sempre que o inglês a atrapalha Nina recorre ao seu guia de conversação romeno/português. O facto de ambos os idiomas derivarem do Latim ajuda. Com o seu guia nas mãos tento dizer algumas coisas em romeno. Nina vai corrigindo a pronúncia e explicando algumas das regras chave da sua língua. «Posta» (correio) pronuncia-se poschta. As letras «ci» juntas fazem o som chi. «Vã rog» (por favor) soa a vââ rrog? Paramos a lição para comer bolachas. E algures entre uma dentada e outra comento que existem muitos romenos em Portugal. Não queria falar nas romenas e nas suas crianças prostadas na rua a pedir esmola mas foi quase inevitável? Nina fica um pouco aborrecida com o assunto. Mas logo sorri e maternalmente explica que as pessoas a quem me refiro não são propriamente romenos. Podem ser búlgaros, moldavos, croatas? São ciganos sem pátria que assumem a nacionalidade do último país por onde passaram. Mudo o assunto. Peço-lhe que me fale do Drácula. Nina esboça um sorriso de frete. Diz-me que Hollywood perverteu completamente o pobre príncipe Vlad, pois no seu castelo na Transilvânia apenas se empalavam ladrões e criminosos e nunca camponeses inocentes como os filmes fazem crer. Além disso, garante-me que não consta na História da Roménia que o coitado gostasse de sangue? E se eu quiser confirmar a sua versão - diz-me num tom desafiante - que vá até lá.
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