A DISTINÇÃO ENTRE O QUE SE DESIGNA POR MUNDO DA VIDA E MUNDO DA ESCOLA É, HOJE, CADA VEZ MENOS NÍTIDA, EM CONTRASTE COM A VELHA CONCEPÇÃO DE ESCOLA QUE ASSUMIA AQUELA DISTINÇÃO SEGUNDO A CONSAGRADA FÓRMULA DE "PREPARAÇÃO PARA A VIDA", O QUE SUPUNHA QUE A VIDA NA ESCOLA PODIA ESPERAR. ESSA FALTA DE NITIDEZ ENTRE OS DOIS MUNDOS É, TODAVIA, BASTANTE COMPLEXA E TRADUZ-SE NUM JOGO DE PARADOXOS DIFÍCIL DE APREENDER?
Nunca a escola se mostrou tão permeável ao exterior no sentido de reflectir e potenciar a expressão de todos os processos e fenómenos sociais e no sentido de se ver forçada a estabelecer relações privilegiadas com parceiros privilegiados (pais que são simultaneamente parceiros da escola, consumidores e clientes e outras entidades e instituições sociais e empresariais) e nunca ao mesmo tempo a escola se refugia tanto na sala de aula para preservar as condições de preparação para a vida, quando a vida é cada vez mais representada como dependente do sucesso escolar. Esta paradoxalidade a que a escola vem sendo sujeita tende a assumir, no plano organizacional, outros tantos modos paradoxais de se exprimir, de que destacamos, por um lado, a necessidade do trabalho colegial e do investimento em projectos curriculares específicos e, por outro, a administrativização/departamentalização da profissão docente. Daqui procede a imposição e a criação de novas figuras e novas competências profissionais que, apontando para a especialização técnica e burocrática e consequente hierarquização das funções profissionais, contundem naturalmente com as lógicas da cooperação e da colegialidade. O modo de funcionamento paradoxal das escolas de hoje torna-se tanto mais visível quanto, na lógica do desenvolvimento da autonomia das escolas, vem suposto o recurso a um processo de trabalho que assenta na recontextualização dos referentes de acção impregnada de investimento no local. Ora, a recontextualização da acção pedagógica, que decorre deste novo cenário definido pelos referentes da autonomia, supõe que o trabalho profissional do professor incorpora três dimensões, até agora relativamente irrelevantes na definição do que tem sido o exercício da profissão docente do ponto de vista do perfil identitário do professor: a dimensão organizacional inerente ao trabalho colectivo, a dimensão projectual/local com a respectiva flexibilização curricular, subordinante e condicionadora tanto das estratégias individuais, como das do grupo disciplinar, e a dimensão contratual como suporte dum novo estilo de trabalho profissional em interacção e como suporte, ainda, duma nova identidade da comunidade educativa, à qual passa a estar associada uma lógica reguladora e avaliativa. No seu conjunto, estas três dimensões apelam a competências dos professores que já não são propriamente nem técnicas, nem cognitivas, no sentido de que não se apoiam em meios de conhecimento cuja adequação a fins seja instrumentalmente indiscutível, nem em conteúdos conceptualmente puros que possam ser usados univocamente, isto é que possam ser apropriados mediante um processo de aprendizagem tradicional. Não é, portanto, possível admitir que elas se constituam sobre regras prévias definidas «a priori», cujo conhecimento garanta só por si a sua aplicação prática. Significa isto que estas competências são construídas em situação e numa permanente intertextualidade... O processo de comunicação ou, melhor, uma cultura de comunicaçação e de interdependência profissional é, portanto, indispensável à formação de novas competências que se exercem ou devem exercer-se num registo de complementaridade e de interajuda e nunca segundo uma lógica administrativo/funcionalista e hierárquica, reforçadora permanente da teoria do défice ou da crónica e fantasmática insegurança individual no trabalho. Como conciliar esta exigência da formação para as novas competências com a administrativização crescente do sistema educativo não é, desta vez, um paradoxo menor...
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