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Busby Berkeley e "Gold Diggers of 33"

Depois de uma ?seca? de uma hora a Teresa perguntou-me :?Nunca escreveste sobre ele, pois não??. E, realmente nunca escrevi . Hoje, até os historiadores de cinema americano lhe chamam génio. E é verdade,  é mesmo...
Pode-se dizer que a carreira de Busby Berkeley  começou em ?42nd Street?(1933). Mervyn LeRoy, o realizador a quem o produtor Darryl F. Zanuck  em primeiro lugar propôs o filme, e que por doença não o fez, convenceu-o a contratar Berkeley para dirigir os números musicais, garantindo-lhe que se tratava do único homem capaz de ?imaginar?- e reparem no imaginar -?e inventar o que normalmente faltava aos filmes musicais: coreografias especificamente cinematográficas?. Zanuck - felizmente- aceitou a sugestão de LeRoy e deu carta branca a Berkeley. E... todos os testemunhos confirmam aquilo que Berkeley disse numa entrevista aos ?Cahiers du Cinéma? em Janeiro de 1966:  ?Da concepção à realização, em todos os escalões , e fosse qual fosse o realizador, os números eram inteiramente meus. Ficava sozinho no ?plateau? com os meus próprios colaboradores.? Para a história fica que foram filmados durante a noite, à socapa de Jack Warner , o patrão do estúdio, que autorizara a produção, com a condição de não ser um musical, género que ele considerava perdido. Como explicar o sucesso deste filme em relação aos anteriores? As novas canções de Warren e Dubin; o par Powell- Ruby Keeler; as actrizes secundárias Ginger Rogers- essa mesmo, o par do Fred Astaire- e Joan Blondell. Mas, para mim, que sou suspeito, são os números de Busby Berkeley, a sua milagrosa- é o termo- multiplicação de elementos, as mulheres, e a luxuriosa sexualidade, o seu famoso ?top shot? que estilhaça verdadeiramente as convenções teatrais e permite colocarmo-nos no ?ponto de vista de Deus?.
Mas voltando a ?Gold Diggers of 1935?, talvez nenhum dos filmes de Berkeley reflicta tanto a Depressão e os sinais de esperança do New Deal como este. O número de abertura, ?We?re in the Money?, é de um espantoso optimismo e de uma cínica ironia, pois ninguém(?) está ?in the money?, como o filme o vem provar. Falsa pista, pois, mas uma falsa pista que a ?erótica Berkeyana? se encarrega de acertar associando o desejo, o corpo e o dinheiro, este o aparente ?cache-sex? de um dos momentos menos inocentes do ?logicamente inocente? Busby Berkeley?.
Todo o filme aborda - como ?42nd Street?- os problemas de financiamento de um espectáculo, mas um dos números é explicitamente dedicado à depressão e é simplesmente arrasador para aqueles que apelidam o musical americano de ?escapista?. Refiro-me, obviamente, a ?Remember My Forgotten Man?, o último número do filme, interpretado por Joan Blondell- dobrada por Ette Moten- cujo tema é o abandono a que a sociedade americana votava os heróis de guerra. Nessa ?big parade of tears?, Berkeley utilizou 150 figurantes, que foi dispondo em diversas formações (o ?flash-back da guerra, as bichas da assistência social). Mas o inesquecível é a cena inicial da sequência com Joan Blondell a acender o cigarro do vagabundo e arrancá-lo das mãos do polícia. O final, com três plataformas circulares sobrepostas onde se recortam as silhuetas dos soldados, é absolutamente espectacular, lembrando ?Metrópolis? de Fritz Lang. Como dizem Tony Thomas e Jim Terry em ?The Busby Berkeley Book?: ?Only a cynic could fail to be unmoved by the message unimpressed by its brilliant staging?.
Com tudo isto ainda não falei em dois números. ?Pettin?in the Park? tem pontos de contacto, pela associação do corpo feminino com o metal, com ?We?re in the money?. O número transforma o Central Park num jardim Freudiano: as sombras dos nus no vestiário, Bill Barty deslizando entre as pernas das raparigas, o serviço de patins para as meninas que queiram regressar a casa ...
Deixei para o fim ?Shadow Waltz?,  uma das mais fabulosas - eu sei que quando falo nisto esgoto os adjectivos - utilizações do célebre ?top shot? de Berkeley. Dick Powell começa a cantar para Ruby Keeler até que um portentoso movimento de câmara nos revela o cenário com as violinistas, louríssimas e de branco vestidas. As formações sucedem-se até que o écran enegrece, os violinos iluminam-se e nós a vermos tudo isto do mais alto dos céus. O número é absolutamente inocente, embora a coreografia final dos violinos desenhe um outro imenso violino que lembra o corpo de uma mulher...


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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