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Em fim de carreira

Maria Ferreira, docente do Ensino Básico

Diz de si que sempre levou a sua profissão muito a sério. Aos 60 anos Maria Ferreira terminara a carreira docente com um sentimento de dever cumprido. a professora fala das reformas curriculares que viu nascer. Da escola de outros tempos e da destes. Não gosta de se expor e foi com alguma relutância que acedeu contar a sua história de vida.

Quando em 1966 Maria Ferreira se estreou como professora de Português e Francês, (5º e 6º ano) no Liceu de Lamego, os métodos de ensinar permaneciam iguais àqueles pelos quais tinha aprendido. ?Mas havia quem não estivesse acomodado ao saber instituido?, diz Maria Ferreira. Excepções. Modelos. Como o foram para a jovem Maria duas colegas de trabalho mais velhas as professoras de língua francesa Olinda e Camila. ?Elas procuravam manter-se informadas quer sobre questões da civilização francesa quer da didáctica do Francês?, conta Maria Ferreira. O contacto com o estrangeiro era feito através da assinatura de algumas revistas francesas. Entre elas a ?Le Français dans Le Monde?.
Seguindo o exemplo de dinamismo das professoras que tanto admirava, logo que pode Maria Ferreira viajou até Paris. Gastou na viagem o primeiro dinheiro que conseguiu poupar como professora. A causa era nobre: ?Achava mal falar da cidade nas aulas sem nunca ter lá ido!?, confessa a professora.
A abertura a novas metodologias dá-se mais tarde fruto da aposta que o Ministério da Educação de José Veiga Simão faz na formação de professores. Este investimento passava pela criação de cursos de formação e pela atribuição de bolsas para frequentar acções de formação fora do país. Maria Ferreira foi uma das professoras de Francês que beneficiou destas formações. ?Assistia a seminários de formação de professores e no regresso trazia na mala o que vira, ouvira e aprendera, depois, desdobrava o conhecimento para as colegas!?, recorda a professora.
Este foi para Maria Ferreira um dos pontos fortes da reforma curricular de Veiga Simão que introduziu o conceito de escola democrática. ?Foi também uma tentativa de acertar o passo pela Europa?, explica e acrescenta: ?Mas estávamos ainda na era salazarista??
Maria Ferreira diz ter sido uma das entusiastas desta reforma. Sobretudo pela ideia de democratização que lhe estava subjacente, bem como pelo alargamento da escolaridade obrigatória (de quatro para seis anos).

O ciclo preparatório

Ao alargar a escolaridade obrigatória para seis anos, Veiga Simão cria o ciclo preparatório: dois anos de escolaridade subtraídos aos sete anos do ensino secundário não obrigatório. Uma alteração sentida por muitos professores como uma ?despromoção?, explica Maria Ferreira. Tudo porque os professores que até então davam aulas no 5º e 6º anos, se aí permanecessem, deixariam de ser considerados professores de Liceu.
?No final quem gostava de ensinar nesses níveis etários pensou que o futuro estaria no ciclo preparatório e continuou como estava. Os outros, mais tradicionalistas, mudaram-se para o secundário.? Ela ficou. Até porque, como constata Maria Ferreira, a mudança estava ali. ?O ciclo preparatório mantinha a mesma exigência do ensino secundário, mas implicava formação específica e adequação a conteúdos e metodologias novos!?   
A mossa da ?despromoção? cria porém uma grande divisão no corpo docente. De um lado colocam-se os que acreditam na escola nova e aderem a ela, do outro os que preferiram manter-se nas fileiras da escola tradicional.

A democracia

Entretanto, dá-se o 25 de Abril. As escolas técnicas, mais profissionalizantes, que até aí constituíam uma alternativa ao Liceu acabam. A explicação para esta mudança é clara para Maria Ferreira: ?Pairava sobre estas escolas o estigma de que seriam destinadas aos menos dotados ou aos mais desfavorecidos economicamente!?
Os anos 90 foram igualmente marcantes para o sistema educativo. De novo tempos de reforma. A última delas. A do ministro da Educação Roberto Carneiro. ?À sua Lei de Bases subjaz uma filosofia fabulosa!?, comenta a professora. Encarregada de fazer os programas de Francês do Ensino Básico, Maria Ferreira estudou a reforma a fundo e apaixonou-se pelos princípios nela plasmados. Mas viu nela uma grande lacuna: o desinvestimento ministerial na formação de professores. ?Deu-se espaço à auto-formação dos professores, mas se calhar eles não investiram o suficiente numa formação que correspondesse às novas exigências!? A professora deixa no ar a suposição. Ela que também dirigiu um centro de formação de professores. ?Foi a parte mais negativa do meu percurso profissional?, constata. ?Sabe o que é ter de fechar cursos por não ter um número suficiente de candidatos??
Dissabores do passado que, no entanto, não retiram a Maria Ferreira a esperança de ver um sistema de ensino ?verdadeiramente promotor da igualdade de oportunidades e agente da construção de uma sociedade mais justa?.


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Maria Ferreira
Docente do Ensino Básico
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Maria Ferreira
Docente do Ensino Básico

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