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Ensino superior: em busca de uma identidade perdida

TUDO MUDOU QUANDO A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO PRESSIONOU AS ENTRADAS POR EFEITO DE UM ENORME ACRÉSCIMO DOS CONTIGENTES DE ESTUDANTES QUE PASSARAM A ATINGIR O FINAL DO SECUNDÁRIO.

Um dos problemas centrais com que se debate o ensino superior nos nossos dias é o da sua identidade. Mais ainda, é o facto de muitas das suas características tradicionais serem agora objecto de uma crítica radical que advoga o seu puro e simples abandono.
Na verdade, a representação social do ensino superior ? sempre associada ao ensino universitário ? tem estado ligado de uma forma clara, entre outros, a indicadores tais como a dificuldade dos seus conteúdos, o carácter iminentemente científico (e pouco pedagógico) das suas práticas e o carácter altamente selectivo no que respeita ao acesso. Estes itens justificavam por si, as reprovações, as quais reforçavam, por sua vez, os referidos indicadores. O elitismo a montante saía, assim, aprofundado a jusante, o que salvaguardava a identificação dos diplomados com os quadros ? restritos ? das empresas e da actividade cultural e política. A existência de uma pequena percentagem de estudantes oriundos de meios social e geograficamente desfavorecidos permitia acalentar, entretanto, a ilusão meritocrática, o que tornava ainda mais prestigiante um ensino que, no fundo, se limitaria a seleccionar ? e a ratificar ? os melhores.
Tudo mudou quando a democratização do ensino pressionou as entradas por efeito de um enorme acréscimo dos contingentes de estudantes que passaram a atingir o final do secundário. A partir daqui, as expectativas de mobilidade social associadas à frequência do ensino superior, a par de uma inércia de sucesso veiculada por todo o processo escolar anterior , impõem uma atitude inteiramente hostil relativamente a muito do que, até aí, parecia inquestionável.
Então, a chamada investigação fundamental cai do seu pedestal sem que, em contrapartida, se assuma uma vocação profissionalizante. O  próprio ensino politécnico, em princípio, mais prático, acaba por crescer na esteira do novo paradigma mas não chega a constituir-se como uma real alternativa.
Afinal, o que permite identificar o ensino superior se não considerarmos a sua dificuldade (ligada ao carácter abstracto da investigação que o suporta), uma pressuposta autonomia do aluno capaz de suprir os vazios pedagógicos existentes e ainda uma empregabilidade altamente qualificada?
Diremos que será a sua qualidade posta agora ao serviço não de uma minoria mas da maioria. O que implicará uma renovação dos seus métodos que deverão estabelecer uma mediação eficaz entre os fins renovados e os novos destinatários. Só que aqueles fins ? para terem efectivamente qualidade ? não podem sacrificar os patamares de exigência próprios da investigação (tendo mesmo de os reforçar!), ao mesmo tempo que os novos estudantes não se podem também deixar enovelar, de uma maneira ou de outra, nas estratégias e critérios de sucesso (antes de mais, à medida de cada um) que, aplicados no ensino básico, não se podem prolongar. O ensino superior, mesmo sendo agora tendencialmente universal, não será nunca, com certeza, básico!
Um equívoco seria aqui, antes de mais, um logro para os alunos que veriam deste modo atraiçoado um direito fundamental: o direito à ciência, ao saber tecnológico e, de uma forma geral, ao conhecimento. Instrumentos fundamentais da sua autonomia e da sua dignidade. Afinal, as chaves das democracias avançadas.
Impõe-se, pois, que se renovem os métodos pedagógicos e, com eles, a própria relação com os saberes. De facto, pouco importa estarmos convictos que ensinamos bem se os alunos aprendem mal. A aprendizagem afirma-se como o núcleo da actividade do ensino superior. Mas aprender implica aqui pesquisar exigentemente esperando, sobretudo, que as escolas superiores criem condições para esse efeito. Trata-se, na verdade, não de ensinar mais. Porém, tal não significa que se possa aprender menos.
Enquanto fizermos deste aparente desencontro um paradoxo, somos tentados ou a regredir ? em prol da valorização do ensino! ? para modelos anteriores tornados anacrónicos ou a diluir o ensino superior no paradigma do básico a pretexto de que os alunos têm de aprender a todo o custo ainda que, para isso, tenhamos de baixar a fasquia dos objectivos e das competências.
É que aprender mais, ensinando-se menos, constitui o patamar pedagógico do novo paradigma de ensino superior. Um dos elos da sua nova identidade.


  
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto
Adalberto Dias Carvalho
Fac. de Letras, Univ. do Porto

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