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Mentiras

POLITICOS, VENDEDORES, METEOROLOGISTAS, ASTRÓLOGOS, EMPRESAS DE SONDAGENS, BANCOS, AGENTES DA BOLSA DE VALORES, PUBLICITÁRIOS, EMPRESAS, AGENTES DE TURISMO. TODOS MENTEM E NÓS SABEMOS QUE NOS MENTEM. A MENTIRA TORNOU-SE UMA INSTITUIÇÃO. A OPINIÃO PÚBLICA PERDE A CONFIANÇA. VIVEMOS NUMA SOCIEDADE CADA VEZ MAIS DE SUSPEITA.

Escrevi neste espaço em Março: "antigamente matava-se em nome de Deus... o Império do cinismo e do dinheiro, está agora disposto a matar em nome do petróleo, da indústria armamentista, da política e do poder de um punhado de gente rica, fanática e gananciosa. O resto são pretexto".? E acrescentava" ?os povos, esmagadoramente, não confiam no discurso político e nos argumentos tontos que lhe são apresentados pelos governos partidários da guerr".?
Os  governos dos EUA e do Reino Unido, com o apoio de aliados amigos como a Espanha, Portugal ou a Itália, construíram o que se vai chamand« «o caso i»aquiano».
Três meses após o termo «» guerra, as «provas» que justificaram a operação não apareceram. São patentes as contradições entre os motivos apregoados e os verdadeiros interesses que caracterizam a política externa para o Médio Oriente de americanos e ingleses. Ambos mentiram e com eles, também os nossos governantes nos mentiram convictamente.

Urânio

«O Governo Britânico soube que Sadam Hussein quis comprar recentemente quantidades si»nificativas de urânio em África», disse Bush no discurso sobre o Estado da União em 28 de Janeiro de 2003.
A CIA enviou à Nigéria Joseph Wilson com a incu«»ência de comprovar a ve«»cidade das «provas». A resposta foi a de que as «provas» não eram credíveis.
Recentemente, o director da CIA, George Tenet, revelou ao Senado Americano que um alto dirigente da Casa Branca o tinha pressionado para incluir no discurs« de Bush a acusação de que Sadam procurava urânio em África. «A pergunta mais importante é quem na Ca»a Branca estava tão obcecado em enganar o povo e porque continua lá», afirmou na ocasião o senador democrata Dick Durbin. De facto, o mesmo Senado que quis demitir Clinton por este mentir sobre os seus amores com uma secretária, cerra agora os olhos perante mentiras monstruosas do actual presidente.
Apesar da falsidade patente, sobre a compra do urânio, Bush, Blair e por arrastamento o nosso Barroso continuaram a manter a afirmação da veracidade dos factos. Mentiram e continuam a mentir.

Armas químicas e biológicas

Num relatório da Casa Bra»ca, datado «e Setembro de 2002, com o título «Uma década de mentiras e desafios» afirmava-se que «Sad»m continua a desenvolver laboratórios móveis para a produção de armas biológicas e químicas». Colin Powell, na sua interve«ção na ONU, em 5 de Fevereiro de 2003, mostrou gráficos destes pretensos laboratór»os e afirmou: «sabemos como foram construídos, sabemos como funcionam, como todos os elementos encaixam».
O Depar»amento de Estado, em nota de 27 de Fevereiro de 2003 com o título «Arsenal de terror: as armas escondidas no Iraque», pormenorizava que aquele país tinha 26.000 litros de antrax, 38.000 de toxinas do botulismo, 1,5 toneladas de gás VX, 1.000 toneladas de gás de nervos, 550 munições carregadas com gás mostarda.
Num relatório britânico em Setembro de 2002 já o Governo tinha afirmado que «o Iraqu» tem planos militares para utilizar armas químicas e biológicas. Algumas destas armas podem ser lançadas em menos de 45 minutos». Durante a guerra, o Iraque não utilizou as «temíveis» armas químicas. É estranho que quem conhecia a realidade com tanta precisão não nos apresente a mais pequena sombra de prova da existência de semelhante arsenal.

Mísseis

A espionagem americana afirmou que o Iraque possuía 12 mísseis Scud em violação da resolução 1441. Os serviços secretos britânicos ampliaram o número para 20. Um míssil Scud tem de comprimento entre 10 e 13 metros não é propriamente uma agulha num palheiro. Não apareceu nenhum. Inventaram e sabiam estar a inventar.

Bin Laden

Um dos principais argumentos na construção do««caso iraquiano» foi a afirmação repetida de que S»dam e Bin Laden colaboravam estreitamente. No já referido discurso sobre o Estado da União, Bush afirmou: «sabemos que existem vínculos entre a Al Qaeda e o Iraque». Blair reafirmou o mesmo nos dias seguintes e Colin Powell, na intervenção que fez na ONU, foi ao ponto de apontar nomes como o de Abu Musab Zarqawi como sendo o representante da Al Qaeda em Bagdade. Até agora não surgiu a mais leve prova, o mais frágil documento, a provar semelhante afirmação. Eles mentiam e sabiam que nos mentiam.

Armas de destruição Maciça ? ADM

A designação de «Armas de Destruição Maciça-ADM» foi uma designação inventada pelos publicitários da Casa Branca para provocar maior impacto na opinião pública.
A missão de encontrar as supostas ADM foi encomendada ao chamado Grupo de Inspecção do Iraque (Iraq Survey Group, ISG). É formado por mais de 1400 especialistas americanos, britânicos e australianos e tem sede em Bagdade. Os especialistas do ISG revistaram laboratórios, espiolharam arquivos oficiais, entrevistaram centenas de cientistas iraquianos, sem resultado.
Iraquianos como o químico Ali Habi Yasin, ex-general do ex»rci«o, afirmam que as ADM não existem. «Em 1991 foram destruídos os l»boratórios. Há matérias primas essenciais para fabricar armas químicas que o Iraq«e não podia obter durante o embargo», disse. «E quanto ao urânio, a cent»a" onde se podia ter fabricado foi destruída», juntou o"ex-general. O general Yasin ri-se quando lhe falam dos laboratórios móveis. «Num veículo não há espaço suficiente para trabalhar com esse tipo de materiais», diz. ?Eles [os americanos e ingleses] sabem que não existem?, afirma.

Impostura e mentiras

Que o Subsecretário da Defe«a dos»Estados Unidos reconheça que o petróleo foi o principal motivo da operação militar não nos diz nada de novo, mas dá-nos a dimensão dos Governos sem escrúpulos. Que continue dizendo que as ADM foram uma desculpa «burocrática» com que se pretendia conseguir apoio popular e militar, raia a indecência. Mas o que é mais lamentável é a desfaçatez com que se fala de algo tão sério, que causou e continua a causar milhares de vitimas e que não resolveu nada na vida do povo iraquiano.
Bush, Blair e os seus acólitos e apoiantes sabiam, antes de se iniciar a guerra, que o Iraque já não tinha ADM nem um exército capaz de se segurar de pé. Mentiram aos seus concidadãos, à opinião pública mundial, aos seus parlamentares e ao Conselho de Segurança da ONU. Esta impostura não é uma questão de pormenor mas uma questão de fundo, sobretudo pela herança que nos deixou.

Efeitos da guerra

Nos últimos doze anos, o único tratamento médico para as crianças iraquianas doentes de leucemia e de tumores nunca vistos, tem sido o regaço das suas mães acariciando-as com um movimento pausado, cansado e monótono, acompanhando-as nesse terrível caminho de dor e sofrimento que as leva à morte.
Essa foi uma herança da guerra do Golfo de 1991. Guerra que contaminou o Iraque com urânio empobrecido. O embargo, e a falta de piedade dos governantes, fez o resto. Em doze anos a herança da guerra matou mais de um milhão e meio de iraquianos, a maior parte crianças.
Quantos mortos na Guerra de 2003? Que novas armas e venenos foram usados? Que herança deixou? Que novas doenças? Que transtornos genéticos? Quantos mortos mais nos proporcionam estes profissionais da mentira, da violência e da morte? Não sabemos.  Só sabemos que não podemos confiar em nada do que eles nos dizem.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 126
Ano 12, Agosto/Setembro 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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