Página  >  Edições  >  N.º 125  >  O tempo (II)

O tempo (II)

RETEMOS A PERCEPÇÃO DE UM INSTANTE, EXPERIMENTAMOS UMA SUCESSÃO DE INSTANTES E CONSTATAMOS UMA PERSISITÊNCIA. O TEMPO É PERCEPCIONADO COMO SENDO ASSIMÉTRICO E TRANSITIVO, OFERECE-SE A UMA ABORDAGEM OBJECTIVA E MATEMÁTICA. A REALIDADE COMPORTA TRANSFORMAÇÃO E CONSERVAÇÃO, CONCEITOS QUE SÓ APARENTEMENTE SÃO CONTRADITÓRIOS COMO SE VERÁ, AMBOS CORRESPONDEM A MANIFESTAÇÕES (OU APENAS ENUNCIADOS) DE UMA ÚNICA REALIDADE, COM O TEMPO SUBJACENTE.

Os conceitos de tempo e de memória são inseparáveis, sem memória não haveria tempo. O passado pressupõe uma memória já preenchida, o futuro é uma memória por preencher ainda; e o presente tem uma acepção cujo valor é apenas subjectivo.
O tempo tem um sentido mas os acontecimentos exibem recorrência. Sentido e recorrência também só aparentemente são contraditórios; inicio e termo de um ciclo não se equivalem, porque justamente há memória;  correspondem-se num percurso de evolução mais longo.
Existem ciclos astronómicos - diurno, lunar e anual - que condicionam e  organizam a vida biológica e social do homem. Existem ciclos biológicos -     diurno, sazonal e geracional - bem como ciclos socio-culturais - jornada,  semana e ritos -  que são a substância mesma da vida do homem ser individual e colectivo. E existem também ciclos astronómicos milenares (os ciclos de Milankovitch) que, determinando variações climáticas longas,  por sua vez determinaram longas migrações e profundas mudanças culturais (períodos glaciares e interglaciares do Pleistocénico). Foi no termo da última glaciação e durante a ulterior relativa estabilização climática que tem vigorado até ao presente (Holocénico), que ocorreram primeiro a transição mesolítica e depois a revolução neolítica.

IRREVERSIBILIDADE OU O TEMPO ASSIMÉTRICO

Em meados do século XIX foi-se insinuando e impondo no conhecimento científico o conceito de irreversibilidade. No domínio da Mecânica, a ciência moderna por excelência desde o dealbar do século XVII, o modelo da Filosofia Natural cuja evolução tanto influenciou a marcha de pensamento filosófico, reversibilidade era aceite e significava a simetria do tempo físico (do movimento dos corpos eternos no espaço infinito) e metafísico (dos elementos, das substâncias ou dos seres no universo). Mas o domínio filosófico era campo fértil de contradições. A assimetria, por seu lado, era reconhecida no ordenamento entre causa e efeito (sem em absoluto negar uma eventual reciprocidade entre estes), era reconhecida entre os actos de percepção e de cognição (?eu penso logo existo?) e seria mesmo uma necessidade ao aceitar ou procurar um sentido teleológico nos acontecimentos. Uma síntese entre simetria e assimetria parecia necessária.
Irreversibilidade teve e tem vários enunciados e manifesta-se em todos os domínios. No domínio das Ciências Exactas, a consistência entre o sentido do tempo observado em variados fenómenos físicos (como a difusão, a propagação de ondas ou o decaimento radioactivo) veio a conferir um sentido universal ao tempo. O Segundo Princípio da Termodinâmica veio a fixar uma relação determinada entre forças e fluxos que implicitamente fixa um sentido para o correr do tempo. De um outro ponto de vista e por outras palavras, a ?conservação? de energia não nega antes se completa com o reconhecimento da ?transformação? da sua qualidade, a dita ?dissipação? de energia. O conceito de entropia (Rudolph Clasius, 1865) foi então concebido para aferir essa qualidade, conceito fecundo, hoje corrente em diversos domínios do conhecimento (e ocasionalmente abusado). Sinteticamente, o crescimento da entropia aponta o sentido do tempo, a seta do tempo.
Este Segundo Princípio entra em rotura com o conhecimento fixado na Mecânica newtoniana, segundo a qual o movimento dos corpos é reversível num tempo simétrico. Essa rotura implicou o reconhecimento que corpos extensos, compostos por inúmeras partes elementares, manifestam propriedades não existentes ou perceptíveis nessas partes elementares quando consideradas separadamente. O todo não se reduz à soma das partes, pois que novas grandezas e novas propriedades emergem do todo; a contradição entre os mundos microscópico e o macroscópico era pois aparente, isto é, superável. E, demonstrando a conciliação entre as leis reversíveis do mundo microscópico com as leis irreversíveis do mundo macroscópico, as propriedades médias e as flutuações dos corpos em estado de equilíbrio gozam e exibem permanência e reversibilidade. Só em 1998, no CERN e no Fermi Lab, viria a ser confirmada a quebra de simetria do tempo á escala microscópica, concretamente no comportamento de certas partículas elementares, o que havia trinta anos se suspeitava já, em resultado da então descoberta quebra de simetria carga-paridade; esta quebra de simetria será responsável pela prevalência da matéria sobre a antimatéria no universo. Quer dizer que a seta do tempo também existe à escala microscópica, embora com pequeníssima expressão, mas com enorme consequência à escala do tempo cósmico. Enfim, poder-se-á dizer que o mundo existe como é porque ?o tempo não é imparcial?!...


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo