Página  >  Edições  >  N.º 125  >  O bom professor

O bom professor

inteligência afectiva

Não querem um super-professor. Querem apenas alguém que os apoie. Pode também ser compreensivo. E se não for pedir muito: divertido e bem disposto. Se não, pelo menos que cumpra a sua função principal: a de explicar bem a matéria. Este é o perfil do professor que o aluno gosta de ver na sala de aula.

À pergunta responde com um sorriso contido. De quem nunca tinha pensado no assunto. Eleva as sobrancelhas. Leva a mão ao queixo e atira: ?O bom professor é aquele que se preocupa com os alunos.? Ultrapassado o bloqueio inicial a resposta prolonga-se. ?E que tenta explicar a matéria da melhor forma possível para todos os que tenham dificuldades?. Um momento de pausa. ?Tem também de ser bom conversador e apoiar os alunos?, conclui Rui Couto, 19 anos, a frequentar o 11º ano.
Por ter encontrado nele estas características, o professor de Geografia que apanhou no 9º ano merece de Rui Couto um elogio rasgado. ?Era um store espectacular!?, recorda saudoso. O mérito do também director de turma estava no facto de não só dar bem a matéria, como de estar sempre bem disposto e brincar muito nas aulas. O reconhecimento do aluno encontra eco na opinião de sua mãe.
Elvira Couto, que sempre acompanhou as reuniões de pais com o director, reconhece que ele ?mostrava conhecer o feitio de cada aluno?. Ou seja: sabia quem eram os alunos mais extrovertidos ou introvertidos. O que o levava, segundo a educadora, ?a dar as aulas de forma mais personalizada?. Uma qualidade que Elvira Couto acredita ser apanágio do bom professor.
Ao herói da Geografia, Rui Couto contrapõe o professor de Matemática do 7º ano. De sobrancelhas franzidas o aluno explica a razão do desmérito: ?Só despejava matéria!? Mas o pior é que ?nunca explicava o que dava?. E por isso, lamenta, ?só os melhores acompanhavam as aulas.? Os outros, encolhe os ombros, ?não percebiam nada!? Depois, ?fazia uns testes muito difíceis!?, remata.

Entre afectos e competência

A professora que ficou no coração de Filipa Sousa, 16 anos, a frequentar o 10º ano, deu-lhe Matemática. ?Gostava muito de nós e era muito nossa amiga?, recorda com carinho. ?Mas isto não significa que ela facilitasse nos testes!?, muito pelo contrário, esclarece a aluna procurando evitar mal entendidos.
Esta separação das águas é comum entre os alunos. Seja qual for a idade. ?O aluno distingue, claramente, a dimensão afectiva do professor da informativa?, a que define o docente como transmissor de ensinamentos, esclarece Emília Costa, coordenadora do Serviço de Consulta Psicológica da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. O professor ideal será o que conseguir juntar as duas, conclui.
Para João Monteiro, 20 anos, estudante universitário, o bom professor ?tem de se dar bem com os alunos, ser comunicativo e estar bem preparado.? Tal como o seu professor de Psicologia do 11º ano cuja ?maneira de ensinar cativava?, porque ?sabia interessar os alunos pela matéria?.
Mas nem todos os professores conciliam afectos e competência. João Monteiro concorda: ?Tive um professor de História que não se dava bem com ninguém, mas via-se que ele era barra naquilo que ensinava?.
A questão é: entre um professor simpático e compreensivo que explique mal a matéria e o seu antónimo, o que preferem os alunos? As respostas variam. João Monteiro abdicava de bom grado da simpatia. Para Filipa Sousa a escolha é difícil. ?Sobretudo nesta altura em que preciso de tirar boas notas?, esclarece. Talvez por isso a aluna esteja mais inclinada para votar na professora antipática que explica bem a matéria. Já Rui Couto não hesita em deitar fora a competência.

Miúdos exigentes

Apesar de recém-chegada ao ensino básico, Inês Rosa, 10 anos, já sabe dizer com todas as letras quais as características do bom professor. ?Não deve berrar com os alunos?, diz com seriedade. Ao seu lado Micaela Garcia, 11 anos, acena a cabeça para cima e para baixo como que a corroborar as palavras da amiga. E só para que se saiba acrescenta que boa professora é a sua directora de turma. Porque é ?muito calma?. 
Paula Vicente, aguarda o filho à porta da escola. Por ser professora, a mãe tem receio que a sua resposta não seja válida. Para ela um bom professor tem, acima de tudo, de ser ?bastante humano, demonstrar afectividade e criar uma empatia com os alunos.? Pelo menos é isso que tenta fazer dentro da sala de aulas.
Já Eduardo Vicente, 10 anos, a frequentar o 5º ano, tem uma definição de bom professor que deixa a mãe boquiaberta. ?Tem de ser exigente!? O que, para Eduardo, significa ter de marcar muitos trabalhos para casa.
A exigência é também para Teresa Oliveira, 13 anos, no 7º ano, uma das qualidades do bom professor. Daí que as professora que menos gostou até ao momento tenha sido ?uma que não dava matéria porque passava a aula a falar dos filhos.? O pior, reflecte Teresa indignada, ?é que ainda por cima faltava muitas vezes!?
Respostas como estas podem até surpreender pais e professores, mas são ?perfeitamente normais? para Emília Costa. ?Os miúdos são muito mais exigentes e críticos em relação às competências do professor?, constata.
Além disso, quando uma criança aceita ou compreende certas regras ? como, por exemplo, a da assiduidade ? pode torna-se mais exigente quanto ao seu cumprimento do que um adulto. Até mesmo por uma questão de segurança. O mesmo se pode aplicar aos adolescentes. ?Ambos precisam de regras?, esclarece a psicóloga, acrescentando que ?a maioria dos adultos não entende isso? e até confunde facilitismo com alguma flexibilidade.

O nível científico e as relações humanas

Não é por acaso que quase todos nós temos um professor que nos marcou pela positiva e pela negativa. E essa avaliação tem sempre uma dimensão afectiva e não só ao nível da competência. Mas para Emíla Costa ?o grande problema é que a universidade prepara os professores ao nível científico mas não ao nível das relações humanas.? Que todavia, ?só se aprendem conforme nos vamos relacionando com os outros?, esclarece. Por outro lado, avisa a psicóloga, ?o facto de um professor não ter dificuldades ao nível dos relacionamentos interpessoais não significa que seja um excelente profissional?. Ou vice-versa.
Para dar atenção a um aluno, o professor precisa de ter tempo para conversar com ele a sós, ou no final da aula. ?E se calhar ele só tem um intervalo minúsculo que lhe dá para tomar um café?, adverte a psicóloga, estando assim ?um pouco limitado?.
Limitada é também a tentativa de definir o ?professor ideal?. Não há modelo a seguir. No entanto, Emília Costa arrisca uma definição pessoal. ?O professor ideal seria alguém com uma boa capacidade de comunicação, competente, exigente com ele próprio e em relação à aprendizagem do aluno. Mas sempre atento à dimensão afectiva.?


Testemunhos

Recordações do bom e do mau professor

Adriano Pimpão
Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas

O professor Francisco Pereira de Moura foi quem mais me marcou pela positiva. Fui seu aluno no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, actual Instituto Superior de Economia e Gestão. E ele marcou-me pela forma como nos ensinava, pela sua metodologia de investigação, de responder às questões e de elaborar relatórios. De tal modo que ainda hoje utilizo os princípios que me ensinou e tento transmiti-los aos meus alunos.
Sinceramente, não me recordo de nenhum professor que me tivesse marcado pela negativa. Mas isto não quer dizer que não tenha havido! (risos) Lembro-me, no entanto, de não me agradarem certos professores por achar que eles cumpriam a sua função de ensinar com demasiada ligeireza e de um modo superficial.

Albino Almeida
Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais

Os professores que me marcaram pela positiva foram os que me conseguiram explicar de que modo me seria útil aquilo que eu devia aprender. Entre eles o professor Óscar Lopes. Ele leccionava Lógica Matemática, uma componente do curso da Escola do Magistério Primário do Porto. E chamava a atenção para a necessidade de sermos rigorosos na linguagem para podermos ensinar correctamente os alunos. Dizia que a matemática era uma linguagem que correspondia ao pensamento e que o pensamento era muitas vezes traduzível por palavras. Este princípio era válido, por exemplo, para o ensino da tabuada. Isto porque, na altura, nós dizíamos a tabuada como diziam os nossos avós e pais: um vez um, dois vez um, três vez um. E o professor Óscar Lopes dizia que era um vez um, duas vezes um, três vezes um.
Pela negativa marcou-me um professor que me ensinava Francês no colégio. Era excelente em termos de competência, mas destaco-o por ter sido protagonista de uma cena muito violenta. Agarrou um colega meu pelos cabelos e bateu-lhe com a cabeça três vezes no quadro. Tudo porque ele se enganou a escrever uma palavra quando estava no quadro a fazer um ditado. Isto aconteceu antes do 25 de Abril de 1974.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação
Andreia Lobo
Jornalista, A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo