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Saberes e competências, para quê?

Numa sociedade  feita de imprevisibilidades e de incertezas, como é a nossa, parece readquirir importância a formação de cidadãos com saberes diversificados e actualizados que sustentem a reflexão, a acção e, sobretudo, a tomada de decisões e escolhas críticas. Trata-se de um imperativo numa sociedade em que, na verdade, as decisões mais determinantes escapam cada vez mais ao cidadão comum. E, para isso, é necessário que tenha a informação ampla e necessária, e a disposição para a adquirir, para, em cada momento, basear as suas decisões.

Os que viveram a escola do antes de 1974 lembram-se e, em certa medida, são depositários dos saberes generalistas que a escola inculcava e, que ao longo do tempo, foram transformando. Eram saberes memorizados nas primeiras fases da escolarização, competências reprodutivas e representações sociais que não colocassem em questão os poderes instituídos. Trata-se agora sustentar, num conjunto de saberes e competências, a liberdade de pensar, decidir, escolher e intervir numa sociedade cuja lógica, contem mecanismos e argumentos subtis que restringem o desenvolvimento e uso dessas competências. É o caso dos argumentos da democracia liberal de que no mercado ? de todas as coisas ? cada um, é livre de oferecer e procurar (diga-se, de comprar e vender). Desde que o faça sem pensar muito! É esta a lógica predominante da globalização ? do mercado global da oferta e da procura ? e com uma crescente invisibilidade dos decisores. Alimenta-se de consumidores muito receptivos à oferta; de trabalhadores disponíveis face às mutações da produção que não questionem os seus processos, nem as suas consequências.   Entendamo-nos, portanto, quanto à ideia de formação generalista aqui referida. Trata-se de uma formação dinâmica e integrada que apoia a compreensão das mudanças sociais, a tomada de decisões socialmente úteis e a estruturação de competências e desempenhos em função dos contextos e das necessidades.
De algum modo, a revisão curricular do ensino básico (2001) orienta-se nesse sentido. Coloca o acento tónico em dois pontos: a educação para cidadania enquanto finalidade maior da educação obrigatória e as competências básicas enquanto suporte das atitudes para o exercício dessa cidadania. Os saberes específicos de cada disciplina seriam os ingredientes para a composição daquelas competências. A relevância destes dois aspectos colocam perante a escola e os professores questões fundamentais orientadoras da sua acção: que concepção de cidadania a promover? Que competências para o exercício dessa cidadania? para que sociedade e desempenhos estamos a educar? Quais são os saberes disciplinares significativos para essas finalidades? Como organizar o processo de ensino aprendizagem tendo em vista aquelas competências e aquela finalidade? Quais devem ser as perspectivas e práticas docentes que, simultaneamente, valorizem os saberes disciplinares e promovam o seu uso para estruturar as competências técnicas e sociais de intervenção na sociedade? Aqui entraríamos noutro tema não previsto para este texto: as competências dos professores e, antes disso, dos formadores de professores.
As mutações que têm vindo a ocorrer na sociedade, parecem aconselhar formações superiores, ao longo de 4 ou 5 anos, mesmo as mais profissionalizantes, em bandas mais alargadas que assegurem, simultaneamente: saberes científicos, técnicos e sócio-culturais que permitam aos diplomados exercer profissionalmente com rigor e disponibilidade para actualização; compreender as diferentes configurações que a sociedade vai adquirindo e, em função disso, adequar a sua intervenção às necessidades emergentes de cada contexto; capacidades e disponibilidade para, se necessário, reorientar a intervenção profissional para outros âmbitos dentro do espaço alargado da área de formação. Neste mesmo tom, referi noutro texto, a propósito da formação de professores, o seguinte:
É necessário proporcionar formações que desenvolvam disposições para o desenvolvimento de competências ao longo da vida, para responder a desafios profissionais, para além da área estrita da docência.
A educação não se faz só com professores. A sua qualidade está cada vez mais dependente de intervenções a montante da sala de aula. São aí necessários mais e melhores profissionais. O espaço entre a sociedade/família e o professor tornou-se cada vez mais amplo e complexo exigindo a intervenção de agentes educativos especializados... É cada vez mais esperado que a formação inicial seja apoiada na análise e conhecimento das situações sociais em que se encontram as necessidades a que a docência pode responder, mas que também exigem outras formas de intervenção.


  
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Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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