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Quando a desigualdade discrimina....

AO ESTUDAR TRÊS ESCOLAS DE MEIOS DISTINTOS, ENCONTREI TRÊS MODELOS DE ORIENTAÇÃO ESCOLAR VOCACIONAL QUE ME CHAMARAM A ATENÇÃO ENQUANTO REFORÇO DAS CLIVAGENS QUE JÁ ESPERAVA ENCONTRAR. MAS FOI NO DIA DAS MATRÍCULAS QUE ME APERCEBI DA SUA VERDADEIRA DIMENSÃO.

Na  minha tese de Mestrado tenho procurado estudar o processo de decisão dos alunos à saída do 9º ano, relativamente à construção de um projecto vocacional.
Embora a entrevista se tenha afigurado como forma privilegiada de aceder ao quadro de referência destes jovens, queria observar a interacção entre os alunos, entre estes e as famílias e os professores, e para isso escolhi o dia das matrículas. Não pretendia fazer uma observação exaustiva, queria apenas dar caras aos meus ?dados? e ver se alguma coisa me ?saltava à vista?.
Confesso que a Orientação Escolar e Profissional (OEP) não foi uma variável a que tenha dado especial importância à partida, até porque pensei que já todas as escolas estivessem dotadas deste tipo de apoio e que ele fosse mais ou menos padronizado. Ao estudar três escolas de meios distintos, encontrei porém três modelos de OEV que me chamaram a atenção enquanto reforço das clivagens que já esperava encontrar. Mas foi no dia das matrículas que me apercebi da sua verdadeira dimensão.
Na escola urbana que visitei, a OEP é extracurricular e portanto facultativa. No dia das matrículas, os alunos quase sempre sozinhos, traziam os papéis preenchidos e devidamente assinados pelos encarregados de educação (EE). Os casos problemáticos eram os de alunos que, não contando transitar de ano, não haviam reflectido sobre as suas opções. A orientadora andava de sala em sala, tentando dar um apoio de última hora, quase sempre feito por exclusão de partes. Alguns acomodavam-se, outros teimavam em escolher o prosseguimento de estudos em áreas que ela tentava explicar não serem as mais adequadas. Mas às 12h00 tudo estava resolvido e as matrículas efectuadas.
Na escola suburbana, onde a OEP foi integrada na hora de Educação para a Cidadania, as matrículas eram um assunto a que apenas os directores de turma (DT) pareciam dedicar-se e não me lembro de ter presenciado nenhuma indecisão. Alguns pais não sabiam que os filhos tinham reprovado, mas essa era outra questão...
Na escola de meio rural, sem direito a Psicólogo dado o reduzido número de alunos, os DT enfrentavam longas filas de alunos, quase sempre acompanhados pelos pais. Foi a única escola onde estavam afixadas no quadro negro as escolas secundárias da região e os respectivos cursos. As escolas profissionais, ?por acaso?, não figuravam na lista. Um DT ajudava os alunos a preencher os boletins e explicava pacientemente: ?Agora tu é que tens de decidir, tens aqueles cursos, naquelas escolas... Vê o que é melhor para ti!?. Os pais davam a sua opinião sempre com a preocupação de ?não interferir?, até porque não conheciam as escolas. O DT tentava ajudar, mas o não ser da região dificultava-lhe a tarefa. Cada aluno demorava cerca de 30 minutos a fazer a matrícula e a desinformação era tanta que uma aluna teimava em ir para um Curso Tecnológico de Educação de Infância. O trabalho prolongou-se até às 18h, os professores estavam exaustos e os alunos apreensivos. Foi aqui que presenciei a angústia da decisão e a ?fuga para frente? que motivaram a minha investigação.
A que se deve tamanha diversidade de cenários? Provavelmente às clivagens sócio-geográficas com que já contava, mas a (in)existência de OEP tornava-se uma variável evidente. Na escola de meio rural não só as famílias apresentavam níveis de escolaridade mais baixos, com consequências ao nível do acesso e capacidade de descodificação da informação, como não existiam na escola mecanismos capazes de desenvolver a capacidade de construção de um projecto vocacional.
Por outro lado, para estes alunos, ir para o Secundário era sair do seu meio, enfrentar o desconhecido e em muitos casos perder o conforto do grupo de amigos que se havia formado desde o 1º Ciclo. Daí que o critério fosse muitas vezes o seguir os amigos ou ir para ?aquela? escola menos elitista onde contavam ser melhor acolhidos.
Saí desolada desta escola, pensando, por um lado, como, de facto, uns são mais iguais do que outros; por outro lado, pensando em quantos projectos de vida sairiam alienados daquele dia.


  
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Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

Susana Faria
Escola Superior de Educação de Leiria
Susana Faria
Escola Superior de Educação de Leiria

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