(E se fechassemos a janela da Glorinha?)
QUEM LEU O ROMANCE «GABRIELA, CRAVO E CANELA» DE JORGE AMADO, RECORDARÁ QUE A SOLUÇÃO APONTADA PELAS BOAS FAMÍLIAS DA TERRA, PARA «ACABAR» COM A PROSTITUIÇÃO QUE AS INQUIETAVA E OFENDIA, ERA A DE OBRIGAR A GLORINHA A FECHAR A JANELA QUE DAVA PARA A PRAÇA E DONDE ELA COSTUMAVA, EM MOMENTOS DE LAZER, ESPREITAR A VIDA DA PEQUENA CIDADE. RECENTES ABORDAGENS NOS «MEDIA» FAZEM-ME LEMBRAR ESTE EPISÓDIO: HÁ FORÇAS POLÍTICAS QUE SUGEREM A REABERTURA DOS BORDEIS, HÁ GRUPOS QUE DESRESPONSABILIZAM OS HOMENS/CLIENTES (E RESPONSABILIZAM AS MULHERES DITAS PROSTITUTAS), HÁ QUEM FALE EM DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E LIGUE O TEMA COM A QUESTÃO DA PROSTITUIÇÃO. CREIO QUE SERÁ IMPORTANTE RELEMBRAR ALGUMAS IDEIAS.
O exercício da prostituição não é crime em Portugal.
Legalização da prostituição significará não a sua descriminilização ( que já existe) mas a admissão da prostituição como profissão, implicando, por exemplo, o pagamento de imposto profissional por parte das mulheres prostitutas . Desta solução decorrerá o reconhecimento da legalidade de actividades de proxenitismo, o que está em desacordo com a legislação portuguesa, que considera essas actividades crime. Por outro lado, adoptada esta solução, o Estado assumirá o papel de Estado-proxeneta, vivendo à custa de actividade ilegal: o proxenetismo. Recorde-se que a inscrição das mulheres prostitutas na segurança social não é a solução mais indicada para permitir o apoio social dessa população marginalizada: há a alternativa do rendimento minimo, da cobertura de saúde -universal a toda a população-, de programas de inserção social desenhados para populações especialmente carenciadas. Importa ainda notar que paises que admitem a prostituição como profissão, como é o caso da Holanda, não têm conseguido que essas inscrições se efectivem: as mulheres hesitam em assumir-se como ?trabalhadoras do sexo?, os patrões, para fugirem ao pagamento dos impostos e descontos não procedem a essas inscrições, as estrangeiras sem autorização de residência estão impedidas de proceder a tais inscrições, etc. A solução de protecção social só para quem paga impostos, ou como contrapartida a esse pagamento, enquadra-se numa filosofia de politica liberal que não se enraiza na tradição europeia e está em desacordo com os textos fundamentais do ordenamento juridico português. A prostituição e o tráfico são formas de violência e são definidas como tal na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1980). A prostituição e o tráfico de mulheres são questões exaustivamente abordadas e condenadas por legislação internacional (ratificada por Portugal) e comunitária. Os compromissos internacionalmente assumidos por Portugal na prevenção e erradicação da prostituição e na reintegração social das vitimas da prostituição exigem certamente um enorme empenho do Estado. O Programa do XV Governo Constitucional ao abordar a temática Igualdade de Oportunidades enquanto aposta transversal, refere, na área Prostituição e Tráfico de Mulheres, diversas medidas relativas à inserção social, apoio, sensibilização e aplicação da legislação nacional e internacional. Sublinhe-se que a justificação de saúde pública que vê na existência de zonas demarcadas de exercício de prostituição, institucionalização de bordéis e registo sanitário das pessoas que exerçam a prostituição os únicos meios possíveis de combate às doenças sexualmente transmissíveis tem sido totalmente desmentida por especialistas da área da saúde. Isto mesmo foi afirmado, em Janeiro de 1994, nos periódicos ?Semanário? e ?Público? , em dois artigos da autoria do Prof. Doutor Machado Caetano e Prof. Doutor Jorge Torgal, respectivamente ex- coordenador da Comissão Nacional de Luta contra a Sida e membro da direcção executiva da mesma Comissão e Sub-Director Geral de Saúde. O papel do Estado é fundamental: nem a política de não ingerência nos assuntos privados nem os valores e costumes tradicionais podem ser invocados para impedir a luta contra a violência. A abordagem integral e integrada da questão da violência é essencial. Entende-se por abordagem integral a articulação da temática ?condição feminina? com as questões da violência, aprofundando duas componentes que parecem essenciais: a organização do Estado e das sociedades baseada na desigualdade entre mulheres e homens a identidade de género. Entende-se por abordagem integrada a articulação entre os modos de intervenção dos mecanismos governamentais e não governamentais, estabelecendo fronteiras e definindo espaços de modo a utilizar racionalmente os recursos humanos e financeiros sempre escassos. A existência de serviços de informação diversificados de apoio às mulheres vitimas de (vários tipos) de violência parece uma boa prática a incentivar. O papel das organizações não governamentais de apoio e protecção às vítimas é fundamental As acções de sensibilização e informação, visando a prevenção e apoio, e tendo em conta diversos públicos?alvo (incluindo clientes) deverão prosseguir. No que se refere ao futuro, julgamos de realçar as seguintes recomendações: Um futuro Plano contra a Violência deveria englobar os vários tipos de violência (assédio, prostituição e tráfico, pornografia, violência sexual e doméstica, mutilações genitais) sendo portanto um plano de violência de género com sub planos independentes com relatórios e monitoragem independentes e financiamentos próprios, a inserir ou não no II Plano para a Igualdade de Oportunidades. Um futuro Plano para a Igualdade deverá incluir a temática da pobreza como área transversal ? e não autónoma, conforme é recomendado pela Plataforma de Pequim. Este Plano deverá prever acções de formação e pre-formação concebidas para populações especialmente carenciadas, bem como apoios especificos para familias com educadores únicos. É urgente a implementação de monitoragem e avaliação permanente dos Planos e há necessidade de estudos mais aprofundados que permitam planos de acção quantificados com definição de metas a atingir, por ministério, em articulação com o Plano para a Igualdade entre Mulheres e Homens ( anunciado pelo Governo)e com o Plano contra a Violência,cuja publicação também vem sendo anunciada. A investigação sobre o tema deverá prosseguir, sugerindo-se que o INE considere os dados oficiais da violência como indicador de desenvolvimento social. Importa rever a legislação vigente, nomeadamente no que se refere à situação das mulheres imigrantes vitimas de violência, à actuação das polícias relativamente à entrada no domicilio sem mandato judicial em situações de perigo actual/iminente, à legislação relativa ao uso e porte de arma, à rede pública de casas de apoio às mulheres vítimas de violência e à Lei de Protecção de Testemunhas em processo penal, a admissibilidade de autorização especial de residência para estrangeiras vitimas de tráfico, de modo a capacitá-las a testemunhar em processo sem receio de represálias a curto ou longo prazo, dirigidas a si próprias ou a familiares, em Portugal ou no país de origem.
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