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«Gerações»

LEVO SEMPRE AS PESSOAS DE QUEM GOSTO A ESPOSENDE. NUMA OCASIÃO, JUREI A MIM MESMO UE NÃO VOLTARIA LÁ. A NAMORADA QUE ME ACOMPANHAVA SOLTOU, EM JEITO DE QUEIXUME, QUE SE SENTIRA VELHA NUMA TARDE ESPLÊNDIDA, PASSADA A MEU LADO!

Levo sempre as pessoas de quem gosto a Esposende. E, de cada vez, recordo-me do poema de Ruy Belo, também ele fascinado pela estranha sensação de liberdade de um rio a projectar-se no mar imenso. Numa ocasião, jurei a mim mesmo que não voltaria lá. A namorada que me acompanhava soltou, em jeito de queixume, que se sentira velha numa tarde esplêndida, passada a meu lado! Era uma sensação difusa, de falta de adrenalina, de excesso de melancolia, de demasiados minutos em esplanadas ? antecâmara que anuncia a praia e que, só por isso, sabe melhor que a própria praia. Pensei no intervalo de idades que nos separava ? sete, oito anos? ? e julguei-o excessivo, na altura. Concluí, sem mais delongas, que se tratava de uma espécie de «abismo geracional»...Logo eu, que sempre criticara os usos e abusos que gastam a palavra e o conceito. Quantos e quantos indivíduos não se sentem violentados quando são objecto de classificação - «tu tens a fibra da ?geração do Maio de 68?»; «tu és um deserto cultural como a ?geração rasa?»; «em ti vibra o mais genuíno narcisismo da ?geração rasca?»; «desenvolveste as típicas estratégias de alguém que faz parte da ?geração à rasca?». Mesmo Gertrude Stein que, em Paris, colocou a todos os americanos fragilizados que procuravam abrigo em sua casa o epíteto de «geração perdida», pensava provavelmente mais na sua aura protectora do que nas idiossincrasias de Scott Fitzgerald ou Hemingway...
Ora, de novo em Esposende, quebrando jura antiga, fui interpelado na minha solitária barraca de praia pela conversa aberta e folgazã de um rapaz de 30 anos que, sem mais delongas, partilhou comigo algumas das fases mais difíceis da sua vida. Tornou-se-me claro que se tratava de um ser humano sensível, com um amplo potencial de desadaptação social, para utilizar outro chavão preguiçoso. Dizia-me que o Inverno o deitava abaixo, mergulhado em depressões profundas, isolado no quarto, sem se alimentar, sem se lavar...Como contraponto, surgia o esplendor do Verão que, juntamente com oito comprimidos por dia, o retirava, aos poucos, dos braços mortos da tristeza e o despertava docemente para os sorrisos das raparigas, para os dias longos como terraços eternamente virados para o mar. 
Apesar da conversa me interessar sobremaneira fui obrigado a manter o telemóvel ligado, pois era suposto prestar declarações políticas a vários jornalistas. Ao aperceber-se da minha condição, o jovial rapaz quis tratar-me por «senhor doutor», ele que não passara de um secundário incompleto!
Tinha praticamente a minha idade e havia um universo inteiro a separar-nos. Para sempre se perdera a leveza inicial da conversa, a paz que une os desconhecidos ? irmãos de uma plena humanidade. Fim de um dia de praia.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 125
Ano 12, Julho 2003

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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