O DESENVOLVIMENTO E O ENVELHECIMENTO HUMANO PARTILHAM ALGO DE COMUM: AMBOS SÃO PROCESSOS QUE MANTÊM RELAÇÕES ÍNTIMAS COM A PASSAGEM DO TEMPO.
É habitual tematizar o desenvolvimento humano sem fazer qualquer menção a um outro processo de complexidade idêntica que é o envelhecimento. O desenvolvimento e o envelhecimento humano partilham algo de comum: ambos são processos que mantêm relações íntimas com a passagem do tempo. Um é habitualmente conotado com um progresso positivo; outro é muitas vezes conotado com um progresso negativo. Para além da simplicidade destas crenças grosseiras, gostaria hoje de perguntar: será que poderemos falar de envelhecimento em sentidos positivos? Poderemos falar de envelhecimento como desenvolvimento? Como? E que implicações terá isso? O envelhecimento aí está, sempre, a ameaçar a nossa mente de que o tempo tem limites, que os projectos têm limites ou constrangimentos, que a eternidade não existe possivelmente em nenhum aspecto da vida. Bastaria talvez uma consciência apurada deste dado para podermos afirmar, com naturalidade, a transitoriedade e simultaneamente a natureza dinâmica e desenvolvimental dos fenómenos "vitais". Nada fica ou permanece na mesma, com o decurso do tempo, desde o nosso corpo, à nossa mente, às árvores dos jardins, às relações, aos amores e às raivas, etc. Com efeito, a consciência individual de que o ciclo de vida é marcado pelo tempo e tem limites temporais, pressiona cada um a ser uma entidade activa, seleccionando objectivos a cumprir ou obras a realizar, optimizando o seu desempenho e compensando, sempre que necessário, os objectivos não alcançados ou os métodos menos eficazes[1]. Por outro lado, estes processos de selecção, optimização e compensação são realizados para construir a coerência e o significado possíveis no ciclo de uma vida e num segmento da história humana de uma dada cultura Dito por outras palavras, são os limites temporais de cada vida e também a natureza temporal de todas as tarefas que, paradoxalmente, criam condições aos organismos para se desenvolverem e evoluirem, activando as escolhas de trajectos e objectivos, aperfeiçoando-os e reformulando o seu valor. E esta pressão, esta evolução ou, mesmo, esta pressão evolutiva, ocorrem independentemente da idade de cada um; aquilo que se perde quando se ganha e o que se ganha quando se perde não é substancialmente diferente na juventude e até idades avançadas. Em qualquer idade os ganhos e as perdas coexistem numa proporção não muito diferente. O que importa sempre é o potencial de energia residente que nos permite continuar a seleccionar, a optimizar e a compensar. São estes três processos que nos permitem afirmar de uma forma mais positiva o envelhecimento ou a mera passagem do tempo e tratá-lo como uma questão de desenvolvimento humano até longa idade, até os sistemas de energia humanos não colapsarem por completo. É nesta ausência de "telos", nesta transitoriedade, nas infinitas dimensões e direcções que pode tomar cada vida e também na plasticidade que aqueles três processos centrais viabilizam que em meu entender todo o existencialismo se ergueu e se pode erguer. Apontando desta forma um valor atemporal, universal e não relativo que é o esforço comovedor que cada organismo faz para estar vivo! Independentemente da idade ou de qualquer outra condição. Quero terminar hoje apontando a ideia de uma educação que sem ignorar a história e a cultura não pode ela própria deixar de ser existencialista, sob o risco de não poder sequer ser imaginada educação. E é acreditando que a nossa escola só é existencialista nos intervalos da sua acção que hoje, com pessimismo, me despeço.
[1] Estes três processos são sugeridos pelo famoso investigador Paul Baltes, do Max Planck Institute de Berlim, como fazendo parte de uma "arquitectura da ontogenia humana"
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