O QUE PASSOU A ACONTECER NOS ÚLTIMOS TEMPOS, ONDE AS NOVAS RETÓRICAS SOBRE EDUCAÇÃO E TRABALHO SÃO EMBLEMÁTICAS, É QUE O DISCURSO GESTIONÁRIO ABSORVEU AS FORMULAÇÕES PRODUZIDAS PELOS DISCURSOS ALTERNATIVOS.
Se é verdade que, ao contrário do que pensam os dogmáticos, as formulações teóricas não são impermeáveis às modificações e, trocando de pena como sói acontecer com ideias-força, permanecem vivas noutros contextos ou com outras cores, nem sempre contudo isto resulta da tensão dialéctica que a gula pela busca de novas sínteses conceptuais desperta. As transmutações também podem revelar-se fraudulentas. A este respeito, os novos discursos sobre educação e trabalho são um exemplo paradigmático. Não é necessário repisar muitos dados - tendo-se ainda os impedimentos para tal num artigo como este - no sentido de demonstrar que, nos últimos tempos, se tem verificado uma intensa metamorfose discursiva no campo temático educação & trabalho. Trata-se de um processo, nos contextos de trabalho, que aprisiona a dimensão social das novas tecnologias e utiliza a flexibilidade que elas proporcionam como forma de instituir um gerir cuja lógica predominante, globalmente, é a apropriação privada dos resultados obtidos. Entretanto, este modo de gerir flexível não se coadune com as categorias discursivas que tradicionalmente deram expressão às relações no mundo do trabalho. É por esta via que surge a metamorfose retórica. Sabe-se que o estilo de gestão tradicionalmente consagrado, à taylorismo, preza por relações mecânicas e repetitivas, sem margem para movimentos autónomos. Mais ainda, no passado, era difícil dissociar as organizações de grandes aparatos burocráticos, com hierarquias rigidamente estruturadas. Aliás, o próprio Estado, nos regimes totalitários, era isto. Tal configuração foi tomada em consideração por análises sociológicas de cariz weberiano, tendo estas sido popularizadas sobretudo, nos anos 1940-1960, pela crítica trotskista aos aparelhos de Estado totalitários. Isto é, a rejeição à rigidez hierárquica e a defesa de categorias como autonomia, criatividade e participação emergem inscritas no mapa dos discursos alternativos, não institucionalizados, sendo elas portadoras de uma lógica que não se reduz à sua mera designação abstracta, pois têm a intencionalidade de construir novas relações de sociabilidade e estruturar novas dinâmicas políticas. Todavia, o que passou a acontecer nos últimos tempos, onde as novas retóricas sobre educação e trabalho são emblemáticas, é que o discurso gestionário absorveu as formulações produzidas pelos discursos alternativos, o que o fazendo como instância normativa, evidentemente as depura da intencionalidade que lhes fornece conteúdo. E é assim que os novos discursos sobre educação e trabalho revelam-se como uma falsificação da cópia. Dessa maneira, noções como a de trabalho em equipa e de formação polivalente, longe de representarem autonomia, no sentido daquele/a que se governa por si próprio/a - o que, decerto, pressupõe atenção aos universos do cooperativismo e da autogestão -, e formação integral, no que concerne às múltiplas dimensões ontológicas, pelo contrário, consubstanciam subtis estratégias de centralização-descentralizante e de formação unidimensional, compromissada esta com padrões societais que são apresentados sem que se tenha possibilidade de se discutir a pertinência da opção por eles. Portanto, operando com elaborações que são originárias das perspectivas alternativas, os novos discursos sobre educação e trabalho se enformam com categorias que os contradizem, não só por elas serem exógenas a eles, mas fundamentalmente por terem sido constituídas com uma intencionalidade que é incompatível com as pressuposições dos mesmos. Por assim ser, apesar de os novos discursos sobre a relação educação e trabalho recorrem aos mais variados recursos retóricos, eles não conseguem ocultar o seu carácter perante uma abordagem sócio-histórica. Apoiada na objectividade. Analiticamente, esta nos diz o que as coisas são: uma falsificação da cópia.
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