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Davos, Porto Alegre e a expansão do terceiro sector ( II )

TERCEIRO SECTOR

O CONCEITO DE TERCEIRO SECTOR EXPANDIU-SE NAS DÉCADAS DE 80 E 90, A PARTIR SUPOSTAMENTE DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DA DUALIDADE PÚBLICO/PRIVADO E DA CRENÇA DE QUE ESTE NOVO SECTOR POSSA DAR AS RESPOSTAS QUE O ESTADO JÁ NÃO PODE DAR E QUE O MERCADO NÃO PROCURA DAR.

Na minha última colaboração neste espaço, publicada no número de Fevereiro deste jornal, deixei em aberto algumas questões que prometi reflectir com o leitor numa próxima oportunidade. Entre essas questões questionava o significado do Fórum Social Mundial (FSM) e o que substancia ?a alternativa? apregoada pelos seus organizadores e participantes em relação às lógicas e racionalidades dominantes no Fórum Económico Mundial (FEM). Este debate, como aliás já o referi anteriormente, não pode ser isolado dos contextos onde é produzido, e, portanto, não podemos desligá-lo do contexto internacional globalizante que tem disseminado a lógica neoliberal de organização económica. A esta discussão associei a problemática da expansão da sociedade civil organizada, ou seja, do terceiro sector e aflorei como este tem sido instrumentalizado e funcional aos objectivos do neoliberalismo.
Apesar da problematização teórica acerca da dualidade Estado/Sociedade Civil ter origens mais remotas, como por exemplo, em Stuart Mill, Smith, Marx, e Hegel, a emergência e a maior visibilidade social da importância das organizações da sociedade civil - o terceiro sector- são uma realidade relativamente recente. Como alguns autores têm referido, o conceito de terceiro sector expandiu-se nas décadas de 80 e 90, a partir supostamente da necessidade de superação da dualidade público/privado e da crença de que este novo sector possa dar as repostas que o Estado já não pode dar e que o mercado não procura dar.
Na sequência do que escrevi no texto anterior, a emergência e visibilidade do terceiro sector tem sido fortemente marcada por um noção hegemónica. A análise produzida em torno desta realidade, ao isolar os sectores uns dos outros (Estado-1º sector, Mercado - 2º sector e Sociedade Civil - 3º sector), concentra o seu estudo no que entende ser o terceiro sector, mas de forma desarticulada da totalidade social. Como tão claramente discute Carlos Montãno, o recorte do social em esferas isola e autonomiza a dinâmica de cada um dos sectores, desistorizando a realidade social. Estudam-se as ONG, fundações, movimentos sociais, associações comunitárias mas não são valorizados na análise processos como a reestruturação produtiva, a Reforma do Estado e as transformações do capital promovidas segundo os postulados neoliberais.
Ora é tempo para levantar de novo a questão: os FSM têm influenciado a construção de visões contra-hegemónicas da realidade social, política e económica? Mais concretamente, como têm construído o conceito e utilidade do terceiro sector? São questões para as quais não tenho respostas definitivas, nem este espaço permite uma reflexão mais atenta e crítica a estas questões. Penso, no entanto, que os FSM têm colaborado para a repolitização das questões sociais através de processos de desocultação dos factores estruturais que têm aumentado o fosso entre países ricos e países pobres. Neles se têm produzido um conjunto de novos olhares acerca da realidade social (recorde-se o recente posicionamento e acção desenvolvida contra a guerra no Iraque) que permitem uma resocialização dos cidadãos no sentido de estes assumirem as suas subjectividades e imprimirem à sua acção social características emancipatórias. Temos observado como as ONG, os movimentos sociais e as associações diversas da sociedade civil, que têm integrado e dado corpo às acções promovidas pelos FSM, tentam promover, na acepção de Boaventura Sousa Santos, uma acção rebelde que poderá ter efeitos na construção de uma alternativa conceptual e prática do terceiro sector e a própria reinvenção da sociedade civil. Apesar destes indicadores de mudança não podemos ignorar as debilidades deste sector, nomeadamente as que se prendem com a sua pouca autonomia financeira. Como sabemos, muitas das ONG, das associações comunitárias dependem fortemente do apoio financeiro do Estado e/ou de fundos fornecidos por agências internacionais. Este facto, pode constituir uma forte resistência à assumpção de projectos emancipatórios que construam novas possibilidades democráticas de resolução dos problemas sociais e de combate à exclusão social.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho
Maria Emília Vilarinho
Departamento de Sociologia da Educação e Administração Educacional da Univ. do Minho

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