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Os pequenos vendilhões da Europa

GUERRA

AQUILO QUE MOVE OS AMERICANOS É A MANUTENÇÃO DA HEGEMONIA PLANETÁRIA. POR ISSO EXIBEM SISTEMATICAMENTE A FORÇA MILITAR E UTILIZAM-NA CONTRA ADVERSÁRIOS FRACOS, GARANTINDO UMA VITÓRIA MILITAR FÁCIL E RÁPIDA.

Já muito se escreveu sobre a guerra no Iraque. De mentira em mentira estamos cada vez mais próximos da verdade, das razões concretas que levaram os Estados Unidos a bater-se contra Saddam Hussein, um homem que lhes prestou bons serviços durante largos anos. É claro que o domínio do petróleo é um objectivo importante - quanto mais não seja do ponto de vista da saúde mental de uma economia e de uma sociedade tão perdulárias e adictas de combustíveis fósseis - mas está longe de ser o principal, o estratégico, para usar uma expressão do agrado dos meios militares e belicistas. Como bem explicitou Immanuel Wallerstein, aquilo que move os americanos é a manutenção da hegemonia planetária. Para isso é importante que a força militar seja sistematicamente exibida e, de quando em quando, utilizada contra adversários tão fracos que lhes permite garantir, à partida, a vitória militar fácil e rápida, ao mesmo tempo que manobram para evitar que a ?velha Europa? possa jogar um papel autónomo de modo a constituir-se numa nova polaridade do sistema mundial capitalista.
Com uma economia dependente da Europa e dos principais países industriais asiáticos, uma competitividade internacional que se circunscreve a quatro ou cinco sectores produtivos, a braços com um défice comercial colossal e à beira de uma deflação ameaçadora, a hegemonia americana só pode ser jogada pela via militar. Compreendem‑se agora facilmente os motivos que levaram gente como Milton Friedman e muitos outros liberais do «establishment» imperial a oporem-se ao euro e a vaticinarem o seu fracasso. É na Europa que reside, de facto, o principal risco para a hegemonia americana. Incapazes de a subjugar economicamente, há que intimidá-la, ameaçando os países mais recalcitrantes como a França e a Alemanha - a primeira nunca dominada, a segunda definitivamente emancipada -, na vã esperança de travarem a marcha implacável das mudanças estruturais que empurram o centro do regime de acumulação capitalista para fora dos Estados Unidos.
Parecendo que a história não se cansa de se repetir, alguns lacaios aprestaram-se a mais um acto de vassalagem ao senhor que sempre serviram. Às ?cavalitas? das nossas elites medíocres, historicamente medradas no saque colonial e preferindo o consumo conspícuo ao investimento produtivo do capital, o Portas e o Durão meteram-nos na guerra. Sem coragem para pagar o preço político do envolvimento directo de soldados portugueses no teatro de operações, ficaram-se pelo apoio mercenário, como justamente lhe chamou Eduardo Lourenço. Acabada esta fase, pretendem agora transformar uma centena de militares da GNR em mercenários que vão colocar, fardados e em nome de Portugal, às ordens do exército invasor de uma potência estrangeira, em troca do tributo que entendem ser-lhes devido pelos serviços prestados.
Agem como pequenos vendilhões da Europa, quer dizer, da única possibilidade que resta à humanidade para fundar uma mundo multipolar baseado no primado do direito e tendo a paz como principal agenda da política internacional. Sendo a construção europeia o principal desígnio nacional, não podem deixar de ser acusados de agirem contra o nosso interesse colectivo. Tanto mais grave, quando na Europa, este continente produtor de todos os imperialismos, colonialismos e guerras, hoje sem inimigos no mundo, se enraizou nos seus cidadãos uma forte e irredutível oposição à guerra como instrumento de acção política estatal. Resta-nos corar de vergonha de um governo que nos tenta apartar deste enorme movimento de defesa da paz universal, com a certeza de que saberemos despachá-lo na primeira oportunidade.   

P.S. Por estes lados tão desalinhados podemos garantir ao José Manuel Fernandes que já nem para ?bombo da festa? serve.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Fernando Bessa Ribeiro
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Pólo de Chaves
Fernando Bessa Ribeiro
Univ. de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Pólo de Chaves

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