A ideia de que a recuperação de um alcoólico era possível antes que a sua saúde fosse definitivamente prejudicada juntou em 1935 um médico e um corretor da bolsa de Nova Iorque que tinham um problema em comum: o alcoolismo. Assim nasceram os Alcoólicos Anónimos. Organizados em mais de 94 mil grupos locais constituem uma comunidade mundial de alcoólicos recuperados que através da ?terapia de grupo? tentam ganhar diariamente a batalha da sobriedade.
?Não temos nada contra o álcool.? À primeira leitura, a frase de Joaquim, membro dos Alcoólicos Anónimos (AA) na região do Grande Porto, pode parecer contraditória. Mas não é. Serve apenas para esclarecer que o movimento não é fundamentalista em relação ao consumo de álcool pela generalidade da população. Portugal ocupa o segundo lugar no ranking da União Europeia relativo ao consumo de álcool per capita em indivíduos com mais de 15 anos: 10.8 litros. É o terceiro consumidor mundial. ?Há gente que bebe um ou dois copos e consegue parar antes de perder a sobriedade. Para esses o álcool é apenas mais uma bebida. Para mim é um veneno?, constata Joaquim. O mesmo poderão dizer os 2 milhões de homens e mulheres que em 1996 faziam parte dos Alcoólicos Anónimos espalhados por todo o mundo. Joaquim é um nome fictício. A razão porque pede anonimato, para si e para todos os membros que derem entrevistas ?não é por vergonha de pertencer aos AA?. É apenas uma forma de evitar que a ?exposição? aos media possa comprometer toda a comunidade que constitui os AA no caso do membro que deu a entrevista poder vir a ter uma recaída. ?Ninguém está imune a ela, quer esteja sóbrio há 40 quer há 3 anos?, explica Joaquim, 51 anos, abstémio há 20. O que mostra o quão é essencial que cada alcoólico anónimo tome consciência de que nunca poderá dizer que está ?completamente curado?. Pode sim, aprender a rejeitar o álcool. A sobriedade é conseguida dia após dia com a ajuda de todos os que frequentam as reuniões dos grupos de AA. Em Portugal continental e ilhas existem 86 e funcionam como comunidades de entreajuda, onde a partilha de experiências funciona como uma terapia, e cumprem a função de encorajar os membros a rejeitar todo e qualquer tipo de bebidas alcoólicas. É nestas reuniões que reside o centro nevrálgico da actuação dos AA e que consiste apenas ? sublinha Joaquim ? em ?ajudar o alcoólico a ajudar-se a si mesmo?. Foi o que aconteceu com Carla, 35 anos, sóbria há três. Sobre a sua experiência com o álcool diz que bebeu até transformar a sua vida e a da família num ?calvário?. ?Escondia a bebida, a minha filha fixava os sítios e quando o meu marido chegava a casa ela dizia-lhe onde eram os meus esconderijos?, recorda com amargura. O marido empurrava-a para que procurasse ajuda, mas Carla recusava-se a admitir que tinha uma ?doença? chamada alcoolismo. Num desses empurrões Carla deu por si numa sala de reuniões dos AA. Foi sozinha. E encontrou lá a compreensão que ?cá fora? lhe faltava: ?Ninguém me apontou o dedo?. O que fez com que se senti-se bem no seio do grupo, na altura, de desconhecidos. ?O mais estranho foi ver aquelas pessoas a admitir que eram alcoólicos.? Carla não admitia que era ?doente?. E essa é a condição básica para começar a recuperação, diz Joaquim. A ?falta de consciência para o problema? era tal que Carla confessa ter tomado a medicação para a desintoxicação com álcool. O que agora lhe parece um absurdo. Daí que os AA defendam que para deixar o álcool é preciso mais do que a desintoxicação médica. É necessária uma ?desintoxicação? mental que consiste em abandonar não só a ?bebida?, mas também os hábitos, as atitudes e os comportamentos que conduzem ao álcool. Esta filosofia de vida não se ?aprende? numa única reunião de AA. O processo que trás a sobriedade é tão lento como o que leva ao alcolismo. Além disso há que contar com o inevitável: a presença do álcool em quase todos os espaços do quotidiano, seja em restaurantes, bares, cafés, seja nas ?reuniões? de família. ?Por isso sei que não posso andar a pedir às pessoas que mantenham o álcool afastado de mim e também não posso fugir dos ambientes onde ele é consumido?, constata Carla. ?Eu é que tenho de aprender a dizer não.? Até porque, dizem os AA, a opção de abstinência não pressupõe o deixar de gostar de álcool. A história de Joaquim é bem elucidativa do quanto a abstinência depende de uma disciplina da vontade. ?Estava em abstinência do álcool há dois meses quando arranjei um emprego numa adega. Sempre sem tocar no álcool passei por vários laboratórios de análise de vinhos e com os anos fui progredindo até que atingi o topo da carreira?. Joaquim é enólogo. ?Lido com vinhos de altíssimo gabarito, vou a congressos sobre vinicultura e não bebo bebidas alcoólicas?, diz com naturalidade. Apesar de o seu percurso de abstinência durar há já 20 anos, Joaquim sabe que só consegue isso porque tem a consciência de que é não diferente dos outros alcoólicos ?Basta um gole e tudo pode recomeçar??
Alcoólicos Anónimos
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