As mudanças que «Abril» provocou levaram-nos inicialmente a olhar a Educação, já não como um instrumento de legitimação da ordem social, ou espaço de socialização elitista e autoritária à mercê dos interesses dominantes, mas como um direito humano básico universal.
Os sinais da Primavera renovam-se, e «Abril» está a passar por aqui. Mas «Abril» é cada vez mais breve, mais discreto, mais fugidio? Há vinte e nove anos, depois de uma longa noite de excessos de regulação vinculados a uma ideologia retrógrada e a um capitalismo arcaico sem democracia, imaginámos a possibilidade de projectos de emancipação contextualizados numa democracia profunda sem capitalismo. Mas apesar das «energias utópicas» se terem exaurido mais lentamente do que a própria «revolução», a transição entre o antes e o depois foi breve, e os tempos que se seguiram acabaram por repor bem cedo, e sem qualquer criatividade política ou inovação cultural, a equação (moderna e vulgar) do convívio do capitalismo com a democracia. As mudanças que «Abril» provocou levaram-nos inicialmente a olhar a Educação, já não como um instrumento de legitimação da ordem social, ou espaço de socialização elitista e autoritária à mercê dos interesses dominantes, mas como um direito humano básico universal. Direito fundamental afirmado e consagrado depois de «Abril», tal como, aliás, quase todos os direitos sociais, económicos, culturais e políticos conquistados na sequência daquele movimento inédito de participação mobilizadora, induzido por ideais (plurais e heterogéneos) de mudança profunda e democratizadora. Na sequência deste movimento social emancipatório, a procura da educação escolar expandiu-se, os valores da participação e da democracia penetraram o contexto pedagógico e atravessaram as relações sociais, as formas de avaliação deixaram de ser instrumentos de exercício do controlo social (não foi, aliás, por acaso que os exames nacionais foram abolidos) e, sobretudo, a partir de «Abril», os professores confrontaram-se com oportunidades reais para o exercício de uma «profissionalidade» responsável e com possibilidades novas de construir uma «autonomia colectiva». Se olharmos hoje, criticamente, para as mudanças que vêm sendo exigidas pelos adeptos das ideologias da «nova direita», facilmente constataremos o retrocesso profundo que elas significam no campo da democracia e da educação. Em Portugal, a este propósito, o refluxo da democracia é hoje particularmente evidente, por exemplo, pela reintrodução de orientações «neodarwinistas» e elitistas, pela crescente desconfiança em relação ao trabalho das escolas e cerceamento à sua autonomia, pelo aumento dos mecanismos de controlo externo como os exames nacionais e os «rankings», pela imputação (velada) das responsabilidades do insucesso no ensino secundário aos professores do ensino básico, pela subalternização de alguns sindicatos como interlocutores do ministério da educação e o apoio explícito à criação de uma «Ordem» de professores, ou pelo alheamento em relação à proliferação das «explicações» (privadas) à custa dos défices da escola pública. Volvidas tantas primaveras, todavia, aqui e ali, algumas sementes de democracia que «Abril» disseminou têm resistido e germinado apesar da crescente aridez do tempo. É preciso, no entanto (para além de «Abril») que ressurja uma nova consciência crítica emancipatória. Como mostram os mais recentes movimentos de globalização contra-hegemónica, os quadros de possibilidade da democracia podem ser renovados, e há muitos caminhos em aberto para ?reinventar a emancipação social?.
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