«Quantos matarão?» «Poderei continuar a ler jornais nos próximos dias?» «Quanto ainda resistirá o meu coração?» Lá fora, as fortes chuvas de Março fecham o Verão do Rio de Janeiro.
No dia 12 de janeiro de 2003 sofri um enfarte e tive na minha frente, muito mais próxima do que eu jamais imaginara, a minha condição de ser humano mortal. No dia 17 de março de 2003, nos jornais e frente a uma HP de internet, busco acompanhar as notícias sobre o ataque que o povo iraquiano irá sofrer, nas próximas horas, por parte dos EUA a pretexto de retirar o ditador Sadam Houssein. Tenho diante de mim a minha frágil situação de humanidade mortal. Os grandes jornais de 12 de janeiro de 2003, um domingo de sol de verão do Rio de Janeiro (um quase pleonasmo), anunciavam, contra a vontade de seus donos provavelmente, os dois Fóruns que ocorreriam, dentro de poucos dias, em Porto Alegre: o Fórum Mundial de Educação e o Fórum Social Mundial, encontros de gentes de toda a Terra para provar que ?um outro mundo é possível?. Eu iria, no momento que li os jornais, aos dois e me preparava com entusiasmo para ver o que trariam de novo, de esperança e como expressão de fraternidade. A crise pessoal que enfrentei não me permitiu ir a nenhum dos dois e só os acompanhei através desses jornais. Algumas observações pude fazer e lições aprendi da leitura diária e intensa que buscava fazer, desse processo. A maior delas: os principais jornais brasileiros, que pouca atenção tinham dado a esses eventos, nos anos anteriores, precisaram, para dar conta do que acontecia e atender aos que os lêem, naturalmente, criar cadernos especiais que, com coberturas jornalísticas e belas fotografias de enviados especiais, buscavam dar suas versões sobre os acontecimentos. Coincidentemente, os cadernos, todos, traçavam comparações entre Davos e Porto Alegre, seguindo a lógica dentro da qual funcionam: vamos falar de Porto Alegre, mas só comparativamente a Davos. Se nos anos anteriores, tivemos uma grande cobertura de Davos e uma pequena cobertura sobre Porto Alegre, o equilíbrio entre linhas escritas e fotografias publicadas, nesse ano de 2003, foi perfeito. E mais: se considerarmos que em Davos tivemos grandes protestos e o comparecimento do Presidente Lula, que no dia anterior esteve em Porto Alegre explicando ao povo ali reunido porque iria, poderíamos dizer que a balança pendeu para o lado que deseja ?um mundo melhor?... Mas o que vi no jornal, hoje, e o que busco acompanhar na internet é uma outra situação. Nela duas fotografias me chamam a atenção: a primeira daquele que, eleito em um processo discutível, pensa que ainda está à frente de uma nação que domina o mundo e quer ampliar suas fronteiras (econômicas, já que as geográficas não dá), acompanhado dos únicos aliados que conseguiu ?laçar?: os primeiros-ministros de Inglaterra, Espanha e Portugal. ?O que se passa na cabeça desses três últimos??, é o que me ocorre pensar quando vejo a imagem, não conseguindo entender o que têm a ganhar, já que o primeiro teve o seu líder no congresso renunciando hoje, contra a posição de não mais negociar que Blair adotou. E os outros dois: o que ganha a Espanha, que mal consegue controlar seu terrorismo interno? E o que ganha Portugal ? talvez perca os investimentos alemães, já que esses se colocam contra uma guerra, sem o pronunciamento da ONU de que se esgotaram os caminhos da negociação. A segunda fotografia é de um contacto grupo de soldados americanos que dentro de uma tempestade de poeira, tão temida pelos estrategistas de seu exército, ouve seus comandantes falarem: ?quais desses voltarão pó?? Foi o que pensei, primeiro, olhando detidamente cada rosto, como se para guarda-los e lembrando a decisão de que não voltarão em caixões para não repetir as imagens de outra guerra suja, a do Vietnam. ?Quantos matarão?? ?Poderei continuar a ler jornal nos próximos dias?? ?Quanto ainda resistirá meu coração?? Lá fora, as fortes chuvas de março fecham o verão do Rio de Janeiro.
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