Na nossa última coluna debruçamo-nos sobre quatro modelos da conceptualização/legitimação da diferença: o modelo etnocêntrico, o modelo da tolerância, o modelo da generosidade e o modelo relacional. Nesta, gostaríamos de retomar estes modelos no sentido de considerar a sua relação com a educação inter/multicultural.
Efectivamente, o modelo etnocêntrico de relação com a diferença, inspirado na Razão do Iluminismo, fundava uma educação segura de si mesmo na transmissão de valores e de saberes assumidos como indiscutíveis e universais. O curriculum nacional e os curricula disciplinares reflectiam essa segurança e davam como indiscutível que o processo de educação era o processo pelo qual as crianças e os jovens se tornavam ?civilizados? e parte da grande cultura ocidental. Este modelo relaciona(va)-se com a educação inter/multicultural através da sua rejeição; isto é, ele constitui, por excelência, no domínio da educação, a abordagem monocultural. O modelo da tolerância reflecte-se também de uma forma clara na estruturação da educação nas sociedades europeias, dando origem ao que temos denominado o multiculturalismo educacional ?benigno?. Este modelo, na base da noção de um «handicap» sobretudo cultural das crianças e dos jovens das minorias étnicas e das classes trabalhadoras (diferentemente da educação compensatória que tem base num «handicap» social e que se enquadra no modelo etnocêntrico), contempla a compensação cultural e pedagógica dessas crianças e jovens através da acção de uma educação inter/multicultural promovida pela escola e pelos professores. Ser tolerante é, neste sentido, reconhecer a diferença sem a querer conhecer, ou, por outras palavras, querer ?resolver? a questão da diferença através de uma preocupação com ?estilos de vida? relegando para segundo lugar as ?oportunidades na vida?. O modelo da generosidade é aquele que porventura levou mais longe, até hoje, a relação com a diferença. Trata-se, efectivamente, de uma proposta para a construção de uma educação inter/multicultural ?crítica?, que combate a redução de diferença à sua componente folclórica e que se opõe à educação inter/multicultural ?benigna?. Neste sentido, promove-se o desenvolvimento de dispositivos de diferenciação pedagógica capazes de servir o fim de incluir o mais plenamente possível aqueles e aquelas que a acção da escola tinha precisamente contribuído para excluir. Aqui, em vez da ?resolução? da questão de diferença através de técnicas educativas imbuídas de racionalidade instrumental, assume-se a necessidade de construir pontes entre culturas conceptualizadas como ?incompletas?. O outro tem que ser conhecido através da educação e não simplesmente reconhecido e, mais, o conhecimento do outro funciona como um auto-conhecimento emancipatório. O modelo relacional, fundado na assunção de que ?a diferença somos nós?, parece conter potencialidades extremamente ricas para o repensar da educação inter/multicultural. Para começar, toma como ponto de partida a proposta de pensar a diferença na sua incomensurabilidade, isto é, ao assumirmos que a diferença também somos nós (transformando assim o ?nós? em ?eles?, é a nossa própria alteridade que se expõe na relação. Assim, é a própria alteridade que assume agência, que se torna pró-activa. No que diz respeito à educação inter/multicultural, isto pode implicar estar simultaneamente na ponte e nas margens. Por outras palavras, a educação inter/multicultural realiza-se sendo, por um lado, o lugar do encontro/confronto de diferenças e da sua negociação e, por outro, o lugar ele próprio agenciado pela diferença, isto é, é a própria educação escolar que se coloca nos guiões dos actores sociais e culturais e não o contrário. A nossa diferença exprime-se através da educação inter/multicultural não como aquela que traz consigo a luz, a matriz, a generosidade, mas como aquela que traz a sua própria diferença. As margens do nosso lado, o da nossa diferença, podem traduzir-se num projecto da gestão da diferença, mas nunca na sua dominação. É com base nesta relativização do nosso ?Nós? que a educação inter/multicultural se poderá reconfigurar, situando-se no fio da navalha. Os curricula, os dispositivos e os processos de ensino-aprendizagem devem repercutir essa perspectiva segundo a qual se assume, relacionalmente, a incomensurável diferença dos outros e da nossa própria, ao mesmo tempo que não podem soçobrar nos braços do voluntarismo e da ingenuidade, por exemplo em relação às características extremamente selectivas dos novos mercados de trabalho.
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