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Carta aberta a George Bush
Caro George

Quando ouvi dizer que te ias candidatar a presidente do país mais poderoso do mundo, fiquei inquieto. Como é que o tipo mais burro da turma se propunha governar o império? Já no liceu os espertalhões gozavam contigo. Tu eras o pateta alegre que se deixava manipular. Não admira que os donos da finança, do petróleo e da indústria armamentista, tendo decidido tomar conta do poder na América e no mundo, te tenham escolhido para cabeça  de cartaz. Escolha conveniente. És suficientemente burro para te deixares manipular e tens um apelido de família que ainda angaria votos. Imagino a tua família assustada sem tempo para te tirar da embrulhada.

Esperei, George, que o teu apelido não garantisse a tua eleição. Mas os que te manipulam  são espertalhões, possuem dinheiro, influência e meios para te vender ao eleitorado. De forma duvidosa foste escolhido presidente. Dessa nomeação não esperei nada de bom, nem para a América, nem para o mundo. Sobretudo porque te emparedaram bem. Cheney, Rumsfeld, Condolesa,  venha o diabo e escolha. Rodearam-te de fascistas e de fanáticos da pior espécie.

Pois é, George, ao ver-te na televisão, a leres os discursos que te mandam, chego a ter pena de ti. Sei que sempre foste preguiçoso e que o teu desejo era estares no Texas a dar umas tacadas de golfe ou agarrado à garrafa e a preguiçar. Imagino o teu esforço para andares aí aos recados. Ainda mais agora que ficaste melancólico por te teres convertido em alcoólico em recuperação.  Ficasses pelo teu rancho e continuasses a entreter-te a dirigir o clube da terra e não havia problema. Mas aceitares ser presidente! Meteste-nos a todos numa encrenca dos diabos! Vê se pelo menos percebes que quando metes o pé na poça não adianta limpares os sapatos às calças. Tens os pés na lama. Devias sair dela. Os donos do mundo vão espremer-te enquanto lhes trouxeres algum proveito.

George, a América já só é um país de emigrantes. A cultura do emigrante resume-se em ganhar depressa muito dinheiro. Ganhar a qualquer preço. Amealhar. É esse povo sôfrego pelo dinheiro quem te sustenta. A América inicial foi influenciada por emigrantes fugidos às perseguições políticas que lhe moviam os governos na Europa. Eram pessoas com sonhos de liberdade, justiça e democracia. Queriam um país livre. Mas esses sonhadores foram sendo substituídos pelos famintos de dinheiro. Agora, o teu governo dá voz ao que de pior tem a América. Reinam aí as virtudes hipócritas, o espírito de seita, o fanatismo religioso, o reaccionarismo anti-social, o racismo, a devassa da vida alheia, o rancor para com os diferentes, reinam os produtores e vendedores de petróleo, os pregadores, os vendedores de armas, os vigaristas, em suma, os pregadores das falsas virtudes.

Confesso-me confuso por não ser entendido em questões religiosas. Tu dizes que Deus está do teu lado e te mandou  matar iraquianos. Oiço o Papa, que é suposto ser intimo de Deus, defender a paz e dizer que não devem ir matar iraquianos. Confesso-te, George, que temo pelo futuro do Vaticano e do Papa. Como é sabido, o Vaticano nunca foi um modelo de democracia e com estas atitudes do Papa!? Não ficarei admirado se o teu secretário da defesa, Donald Rumsfeld, acusar o Papa de ser anti-americano, um amigo de ditadores e terroristas. Vocês ainda decidem um bombardeamento cirúrgico ao Vaticano, a substituição do Papa, por um dos vossos generais, e a criação de um governo de cardeais recrutados entre os pregadores das vossas igrejas.

Dizes querer levar a tua democracia a todos os lugares do mundo. Por meio de intervenções militares, golpes de Estado e fornecimento de armamento levados a cabo pelo teu país, países em África, na América Latina, no Médio Oriente, nos Balcãs e no Sudoeste Asiático, ficaram com governos ditatoriais amigos da América, mas inimigos do seu próprio povo. O teu país tem criado e semeado ditaduras e uma imagem de duplicidade, hipocrisia e cinismo. O que o teu governo deseja é continuar esta política miserável.

O teu governo, George, é continuador do mais podre da política americana. Vocês designam um outro como vosso inimigo de circunstância e a seguir fazem tudo o que for possível para que o escolhido como mau se conforme com o prognóstico. É esse o paradoxo da vossa política no Médio Oriente. Do Iraque à Palestina, por interposta intransigência israelita ou directamente, pelo embargo maníaco que matou e destruiu, pela invasão que agora mata e destrói ou pela protecção de dinastias petrolíferas mafiosas, vocês parecem querer, desde há vários anos, tornar os muçulmanos tão maus como os pintam. O mundo precisa de vos afastar do poder e de ter um governo na América que afaste o espectro racista e fascista que caracteriza a vossa actual política.

Já te ouvi dizer que «o 11 de Setembro foi um ataque ao mundo ocidental e civilizado». O mundo dos não ocidentais não é civilizado? O teu mundo ocidental e civilizado não tem usado a violência e o terrorismo de acordo com as suas conveniências? O teu governo e o do teu amigo Sharon não actuam num registo terrorista? Como explica muito bem o egípcio Karim El Gawhary «quando uma região inteira sente que a tratam de maneira injusta e não pode fazer nada contra isso, rapidamente se tornam heróis aqueles que empreendem acções destrutivas. Os terroristas não nascem violentos. Tornam-se terroristas». Tu e Sharon praticam e semeiam o terrorismo.

George, são vitimas da violência os que a sofrem e os que a praticam. Tu e os teus são vitimas de cada guerra que fazem. Vocês fazem-se ainda mais boçais e bárbaros, aviltam-se, enchem-se de ignominia e ficam para sempre com as mãos manchadas de sangue. George, eu conheci, em África, o olhar dos condenados à morte. É um olhar terrível que não nos larga. Tem luz própria. É um olhar que estando para lá da vida ainda implora piedade. Tivesses tu alguma sensibilidade e consciência e não serias capaz de viver com o olhar dos que, com os teus actos, condenas à morte.

Defendes a pena de morte. Mas és contra o aborto. Defendes a vida do embrião. Mas estás disposto a ir matar milhares de pessoas iguais a ti e a estropiar um número ainda maior. Tu não respeitas a vida. Como um autómato falas da segurança do povo americano. Mas obedeces aos estrategos do teu governo e lanças boatos de ataques terroristas e espalhas o medo entre o teu povo numa manobra para dar cobertura às vossas acções terroristas. Encomendaram-te mais uma guerra e mandas fazê-la sem pestanejar. Não entendes que cada época constrói o seu futuro e as suas ruínas e que é tão importante pensar no futuro que queremos deixar como nas ruínas que farão parte dele.  Atentas contra a vida de milhões de seres humanos para satisfação do punhado de doentes mentais que na América te rodeiam e de mais uns quantos doentes e cínicos que pelo mundo te reverenciam. Tu não tens um governo. Tens um poço de ódio e preconceito, um oleoduto e um negócio de armas. Em novo eras um coleccionador fanático dos últimos modelos de brinquedos de guerra, mas não brincavas. Agora sentes a necessidade de exibir os últimos modelos da tua indústria armamentista, e brincas. Continuas doente, George.

Disse o prémio Nobel Joseph Stiglitz que o teu governo desenvolveu um «capitalismo de compinchas», caracterizado pelo predomínio da ganância, da falta de ética, da opacidade, do predomínio das máfias. Tens muito a fazer aí na América e no mundo, George. O imperativo moral que te manda ir matar iraquianos, devia antes, obrigar-te a trabalhar pelo teu país e pelo mundo. Tens na América sete milhões de cidadãos presos ou em liberdade condicional. Tens vários milhões de desempregados e de pobres. No mundo tens 800 milhões de pessoas a morrer à fome. É verdade que o Iraque não respeitou 17 resoluções da ONU. Mas Israel não respeitou 64 e os governos do teu país vetaram 32 resoluções que condenavam Israel. Onde está a vossa moral? Desde 1991 morreu no Iraque mais de um milhão de pessoas em consequência da guerra e do bloqueio económico. Achas racional matar um milhão de pessoas para derrotar politicamente um ditador? Que vais fazer às mais de sete dezenas de ditaduras que existem no mundo? Pensas exterminar mais de metade da população do planeta? Tanta contradição e estupidez para quê, George?

Fica sabendo que em todas as grandes praças do mundo os povos gritam contra a tua guerra. Essa é a força do povo. O problema é não podermos fazer escolhas livremente. Pudessem os povos escolher com todos os graus de liberdade, entre a guerra e a paz e provavelmente já toda a humanidade teria tomado partido. A Guerra seria encarada como o incesto. Tenho vergonha por ti, George.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 122
Ano 12, Abril 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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