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Para quê o 8 de Março?

Não  falo aqui na Mulher, como outros falaram no ?eterno feminino?. Falo nas mulheres com quem me cruzo na rua, nos serviços sociais, nos telefones de informação, nas vitimas de violência. Falo das mulheres  que aparecem nos telejornais quando se abordam os casos de despedimentos e falências. E das mulheres que se dizem do jet-set e caem de podres em declarações surrealitas. Falo das prostitutas, das vitimas de tráfico, das imigrantes que vagueiam na sombra da nossa floresta jurídica.

Venho de uma era em que se lutava ( e acreditava) em causas. Palavras como Justiça, Liberdade, Igualdade, Solidariedade eram utopias que nos (me) fizeram correr, chorar, sofrer e soltar gritos de Alegria.
Há tempos ouvi um ministro declarar que  as utopias  não são precisas: senti-me sobrevivente de uma era desaparecida .E fiquei receosa perante um mundo em que os meus netos ( e netas) irão viver.
Releio o diagnóstico sobre a situação da mulher em Portugal , elaborado durante a minha presidência da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (1), recentemente publicado. A situação das mulheres e dos homens face à educação, ao ensino e à formação profissional; face à maternidade e à paternidade, aos usos do tempo, às remunerações, à participação nos processos de decisão, face à saúde e aos direitos reprodutivos, face à violência, à criminalidade e à segurança ? para só citar  alguns dos capítulos mais relevantes do estudo ? acentuam a minha convicção de que ainda há uma causa das mulheres por que devemos lutar. Causa de direitos humanos, causa de luta pelas  mais pobres dos pobres da nossa sociedade. E se não vivemos essa luta com a esperança em utopias que um dia serão....teremos esse panorama cinzento, amorfo, deprimente que a todos(as) nos vem abafando.
Não  falo aqui na Mulher, como outros falaram no ?eterno feminino?. Falo nas mulheres que cruzo na rua, nos serviços sociais, nos telefones de informação,  as vitimas de violência. Falo das mulheres  que, uma vez por outra, aparecem nos telejornais quando se abordam os casos de despedimentos e falências. Falo das mulheres que se dizem do jet-set e caem de podres em declarações surrealitas. Falo das prostitutas, das vitimas de tráfico, das imigrantes que vagueiam na sombra da nossa floresta jurídica. Mulheres meias vivas/meias mortas que ? continuo a acreditar ? só uma utopia despertará.
Os feminismos de hoje não se resumem a direito  ao voto, a declarações constitucionais de igualdade. Acreditámos porventura um dia que, alcançados tais objectivos, a missão  estaria cumprida.
Hoje sabemos que feminismo ? agora e aqui ? pode significar  uma noite ao relento frente à fábrica que ameaça fechar. Hoje sabemos que declarações sobre combate à violência devem ser suportadas por apoios jurídicos e sociais muito específicos.
Hoje sabemos que a causa das mulheres, como todas as causas dos pobres e  dos marginalizados, pode ser embalada por promessas inconsistentes. Hoje sabemos que não há lutas  ganhas  para sempre.
Sabemos que os desertos de silêncio podem ser acordados. Sabemos que a solidão pode ser destruida  pela sororidade. Sabemos que 8 de Março pode ? deve -  ser todos os dias.

(1)   Igualdade de Género - Portugal 2002

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Ana Maria Braga da Cruz
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM
Ana Maria Braga da Cruz
Presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher - CIDM

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