Página  >  Edições  >  N.º 120  >  ?Intervenção Divina?: You put a spell on me

?Intervenção Divina?: You put a spell on me

Há filmes assim. Que não nos largam, nem que passem dias, semanas, meses...anos(?). É o caso de ? Intervenção Divina ? de Elia Suleiman. Um filme palestiniano, imaginem ...e ainda por cima estreado em Portugal. E aquele último plano da mãe e filho a olharem para a panela de pressão e a mãe a dizer: ?É melhor apagar, está quase a rebentar?. Posso dizer que nem que viva mais cem anos me vou esquecer...
Mas o melhor é deixar o realizador falar:
?Acabei de fazer explodir um tanque israelita. Por causa da guerra não pude fazê-lo em Israel, mas fi-lo num campo militar francês. Mesmo assim fiz de propósito. Cumpri a minha missão durante a visita de Ariel Sharon ao Eliseu. Com uma mistura de 75 Kg de explosivos e seis Kg de pó. Trabalho bem feito, sem nenhum rasto. Adeus, tanque! Se o meu pai ainda fosse vivo estaria orgulhoso de mim, ele que combateu com os resistentes em 1948 e foi torturado por soldados israelitas até ficar em coma, porque se recusava a denunciar El-Husseini, um líder político palestiniano da época.
Havia nove câmaras no ?plateau?. Eu dirigia as operações: dava ordens, fazia a contagem decrescente antes da explosão e dizia ?acção ?, o que neste caso queria dizer ?fogo ?!
A nossa colaboração foi eficaz e produtiva. Ou melhor eficazmente destrutiva...?(Cahiers du Cinéma Maio de 2001)
«Quando o filme estreou em Cannes ,eu e George Ibrahim, o Pai Natal do meu filme que é o director do ?Al Kasaba? decidimos organizar a estreia do filme na Palestina em Julho, mas a reinvasão pô-la em causa. O exército israelita tinha  dinamitado  as entradas e saqueado o seu interior . O lugar foi reconstruído graças ao Ministério dos Negócios Estrangeiros francês e à Europa Cinemas, mas as barragens de estrada criaram tais engarrafamentos que temi que o projecto fosse impossível. Foi uma surpresa enorme ver a sala encher-se e as pessoas desafiarem o recolher obrigatório para ficar a discuti-lo no final... embora tivessem apreendido os códigos linguísticos e culturais de ? Intervenção Divina?, os espectadores de Ramallah viram-no como um filme e aplaudiram-no onde nenhum outro público o fez, o momento onde Manal Khader franqueia num passo ligeiro a barragem. Esse pequeno passo, eles conhecem o seu peso, pois tinham-no dado para chegar ao cinema e teriam que o tornar a dar para regressar. Nesse pequeno território onde uma pequena parte da população pertence à classe média, os israelitas ficam furiosos por ver Palestinianos a viver bem, e as extorsões (roubos, vandalização de lugares culturais ) são agora piores do que se passava quando realizei a ?Intervenção Divina?. Mas mesmo que esta projecção fosse para mim um símbolo  político, o entusiasmo dos espectadores despojou-me de todas as intenções ?estratégicas!?( Cahiers du Cinéma,  Dezembro de 2002)
?Não procurei autorizações para nada. Foi o chefe de produção, um israelita chamado Avi Kleinberguer, que é meu amigo. Arranjou uma companhia testa de ferro israelita para tratar de todos os preparativos... a mim não me teriam dado nenhuma autorização...
Nunca estudei cinema. A primeira vez que descobri o cinema foi através da leitura de Godard. Fui para Nova Iorque e durante um ano apenas li e vi filmes, às vezes três por dia. Antonioni foi amor à primeira vista, mas também Hou Hsiao-Hsien, Tsai Ming- Liang . Não tinha visto Jacques Tati antes de ter feito o meu primeiro filme ?Crónica de um Desaparecimento?.O responsável pelo som desse filme insistiu comigo para que visse Tati e Buster Keaton. E fi-lo, então  verifiquei que no meu filme havia duas cenas iguais às do filme ?O Meu Tio?, de Tati.
(...) O dinheiro para o filme veio principalmente de França. E também algum de Fundações. Não dinheiro de Israel- o único dinheiro que tive de Israel, foi para o meu primeiro filme, e quase chegou ao Supremo Tribunal. Bloquearam o dinheiro e quiseram prender-me. Quando o filme estreou em Veneza , disse ao público ?Isto está a acontecer . Só queria que soubessem.? Depois o filme ganhou o prémio para a primeira obra ... e tornou-se muito embaraçoso... e deram-me o dinheiro...
O ? Le Monde?  perguntou a dois jornalistas israelitas o que pensavam do filme. Ambos deram quatro estrelas - que é o máximo - e disseram , ?Tivemos vontade de nos esconder debaixo das cadeiras de vergonha e angústia?. Há um sector da população que é cinéfilo, mas é tão pequeno que se podem contar.?( Sight and Sound, Janeiro 2003).
O filme está a ser projectado regularmente em Ramallah; às 15 e 17 horas devido ao recolher obrigatório. Elia Suleiman exigiu no contrato com o distribuidor israelita uma cláusula estipulando que só seria distribuído em Israel ?se fosse primeiro projectado na Palestina?. Em Dezembro, o cineasta apresentou o filme em Nazaré.
?Intervenção Divina? não foi aceite como candidato ao Óscar de melhor filme em língua estrangeira deste ano porque ?a Palestina não existe?.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo