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Por um ensino democrático

Actualmente, tudo aponta para uma sociedade a privilegiar o sucesso individual e o isolamento da pessoa humana face ao colectivo. Os fantasmas do comunismo alimentados pelo "establishment", o poder instituido, servem sobretudo para enfatizar as supostas virtualidades da sociedade ocidental em oposição a outros modelos de formulação social, cuja concretização histórica não encontrou resposta nas populações, por força de vontades singulares e não pela menor vitalidade das ideias. Ou seja, o falhanço do socialismo deveu-se, exactamente, ao que motiva as enormes disparidades sociais e humanas nas actuais sociedades ditas demo-liberais.
Neste contexto, o papel do ensino pode seguir dois caminhos: o do seguidismo fácil, enaltecendo as ideias força do capitalismo, da competição desenfreada, da caridade como forma de reajustamento e acerto dos desníveis sócio-económicos, ou então, o da Escola a desempenhar o papel corrector de uma cultura decadente, promíscua e a atingir o paroxismo da hipocrisia, integrando num segundo momento, na sua dinâmica de processo, uma componente reformuladora que retome os valores verdadeiros da solidariedade, democracia, justiça social, aplicando-os em prol de uma humanidade mais justa e independente do atavismo dos conservadores reaccionários, subservientes aos desígnios do dinheiro, às manobras do capital, aos negócios subterrâneos da droga e das armas, só por si fazedores de guerras, terrorismo e morte.
Pode e deve a Escola formar os jovens no sentido da cooperação entre Homens, Comunidades, Países, valorizando nas suas componentes curriculares os conteúdos que proporcionem ao jovem a experiência e a vivência da liberdade, apetrechando-os intelectualmente de modo a serem capazes de discernir o uso indevido dos valores universais da Revolução Francesa, futuros adultos capazes de distinguir entre respeito e subserviência, humildade e humilhação, verdadeira inteligência de mera habilidade cognitiva, revolução de reacção, jovens politicamente activos, ou seja, capazes de intervir enquanto agentes transformadores do factor social, imunes aos virus da estupidez e da obtusidade cerebral inculcada pelos fazedores de notícias e de programas supostamente de entretenimento, manipulações publicitárias, falsos modelos de felicidade, uma falsidade exterior aos homens, só dependendo do valor dos números, e cuja principal finalidade é torná-los numa espécie de "robots" do futuro, clones eugénicos à medida do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, mundo de mortos-vivos para onde caminhamos todos, à força dos  aviões, das  bombas, das armas nucleares dos poderosos, únicos argumentos dos fortes e ignorantes. E por força também de modelos errados de ensino, envoltos em falsos princípios de justeza a ocultar desígnios de selecção e exclusão, recuperando esse instrumento degradante que é o quadro de honra, onde meia dúzia de bons alunos são sujeitos à exposição do seu nome em oposição aos colegas de turma, quando deveriam ser publicados mapas de dificuldades a superar, tarefas a desempenhar pelas turmas, numa verdadeira estratégia de grupo, integradora, progressiva no conhecimento e, indubitavelmente, valorizadora do mérito. Mas sem quadros de honra, por favor!  Sempre num esforço redimensionador dos curriculos e  filosofias que lhes estão subjacentes, na linha do humanismo e do reconstrucionismo, contrariando a tendência excessivamente directivista do ensino actual, não obstante as boas intenções das reformas curriculares iniciadas nos governos socialistas, anteriores à inversão à direita das últimas eleições, a complicar um processo de modernização já de si difícil e complexo, mesmo sem os preconceitos e demagogia próprios do actual governo.
Uma Escola a trabalhar por uma sociedade mais humana, criativa, enaltecedora do eu mas sem perder de vista  a dimensão social na formação de todos os jovens. Um Ensino que nunca anatemize ideais cujos pressupostos assentam naquilo que há de mais valioso no ser humano: a liberdade, a fraternidade e a igualdade. Marcas de uma cultura e de um tempo, para sempre indeléveis.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

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