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Recursos hídricos

Portugal tem, desde a década de 1950, uma considerável experiência no projecto e construção de grandes barragens (?) Desde então tais empreendimentos tornaram-se mais exigentes (?) Consequências indesejáveis não previstas ou não ponderadas, visão redutora da utilidade económica e social da água e erros de apreciação cometidos, são lições do passado que devem ser reflectidas.

Os recursos hídricos merecem a nossa crescente atenção na medida em que as necessidades de água doce, em quantidade e em qualidade, aumentam ao ritmo do crescimento da população e da poluição, à escala mundial. Hoje, a água é considerada um bem natural precioso, por escasso e pela qualidade frequentemente inadequada para o abastecimento humano. O desenvolvimento sustentado terá de ser suportado na preservação dos recursos naturais, designadamente em fontes de energia tendencialmente renováveis, em recursos minerais reciclados, em disponibilidade de água e na preservação da biodiversidade.
O aproveitamento dos recursos de água doce superficiais colocam a evidente necessidade de construção de barragens cujas albufeiras regularizem os cursos de água e idealmente optimizem a disponibilidade de água colhida e escoada em cada bacia hidrográfica.
As barragens colocam contudo uma variedade de problemas que requerem consideração atenta - designadamente riscos geotécnicos e  sísmicos e impactos biológicos, climáticos, agrícolas, sócio-culturais e económicos, nos territórios e nas populações adjacentes.
As barragens representam sempre uma violenta perturbação, destruindo frequentemente património cultural, levantando problemas sociais, interferindo nos equilíbrios naturais e contribuindo para a diminuição da biodiversidade. As barragens perturbam a dinâmica fluvial, interferindo no ciclo natural dos processos erosivos e sedimentares, causando impactos locais mas também regionais que alcançam o mar, subtraindo nutrientes necessários nas águas estuarinas e costeiras e contribuindo para a erosão das linhas de costa.
A longa experiência acumulada, desde a Antiguidade até ao século XX, século em que se realizaram as mais ambiciosas obras de engenharia deste tipo, desde os Estados Unidos ao Egipto e à China, permite que os problemas inerentes a este tipo de empreendimento sejam em princípio antecipáveis. O que não quer dizer que tenham sido ? e sejam já ? completa e inteiramente ponderados, o que só será possível se, aos interesses económicos sectoriais ou mesmo privados de curto prazo, se sobrepuser o interesse social de longo prazo, em que o interesse humano não é separável do equilíbrio dos sistemas naturais.
Portugal tem, desde a década de 1950, uma considerável experiência no projecto e construção de grandes barragens, para fins de irrigação e de produção hidroeléctrica. Desde então até agora tais empreendimentos tornaram-se mais exigentes, na avaliação dos respectivos benefícios e dos respectivos impactos. Consequências indesejáveis não previstas ou não ponderadas, visão redutora da utilidade económica e social da água e erros de apreciação cometidos, são lições do passado que devem ser reflectidas.
As grandes barragens e os extensos sistemas hidráulicos contribuem para alterações locais e regionais, pelo que se coloca a necessidade de avaliar este tipo de empreendimentos no contexto vasto das suas diversas consequências. Sendo as barragens e as redes hidráulicas elementos fundamentais na gestão dos recursos hídricos, importantes também no âmbito dos recursos energéticos renováveis, a análise dos seus impactos positivos e negativos deve ser vista integradamente, sendo em cada caso imperativa a realização de estudos que integrem o conhecimento da atmosfera, da biosfera, da hidrosfera e da parte superior da litosfera, no quadro geográfico concreto.
Agora que a albufeira de Alqueva está já em enchimento, para além dos estudos prévios do empreendimento que foram (ou não foram) feitos, impera agora a necessidade de manter sob observação e monitorização, ao longo de largos anos, os impactos desta grande albufeira, alguns que se farão sentir no curto prazo mas outros que só a longo prazo se tornarão evidentes. Estão reconhecidamente em causa a sismicidade induzida ou desencadeada pelo peso da massa de água, a alteração da climatologia local e regional induzida pela absorção de radiação solar e o incremento de vapor de água na atmosfera, a qualidade de água afluente, que deverá permitir a utilização dessa água para todos os fins úteis previstos e permitir manter a albufeira em condições de vida biológica equilibrada.


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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