Página  >  Edições  >  N.º 119  >  A «tirania da transformação» permanente

A «tirania da transformação» permanente

O sistema educativo tem sido o sector mais sujeito à pressão da mudança. A lógica da reforma, enquanto mudança global, foi abandonada. Passou-se à mudança pela mudança, numa busca de adaptação contínua.

Não há sector social que tenha estado mais sujeito à pressão da mudança do que o sistema educativo, em particular nas últimas décadas. Contudo, neste domínio, houve uma evolução interessante: passou-se de uma ?lógica de reforma? (mudança global, estruturante, com objectivos definidos e delimitados no tempo, imposta, a partir do centro, à periferia),  a uma ?tirania da transformação?, de mudança pela mudança, de busca da adaptação contínua. A mudança tornou-se ?imperativa?, ?natural?, ?permanente?, sendo considerada o único meio para ?modernizar a escola?, ?aumentar a qualidade e a eficácia?, ?lutar contra as forças adversas?, ?vencer os desafios da competitividade?, ?gerir na incerteza e turbulência?.
Esta ?tirania da transformação? (enquanto obrigação de mudar) constitui uma recuperação, pelo centro do poder político, da ?lógica da inovação? que, contra as reformas e apesar das reformas, permitiu aos actores situados na periferia do sistema educativo (aos professores e às escolas) reagir às mudanças globais impostas do exterior.
Hoje os ministros não falam em ?reforma?, baniram esta palavra dos seus discursos, mas tentam decretar a ?inovação?. Esta institucionalização da inovação destruiu a sua dinâmica crítica e criadora, transformando-a numa espécie de produto descartável (usa-se e deita-se fora) ao sabor das circunstâncias e das modas de cada momento.
Vem tudo isto a propósito de muitas das mudanças que estão em curso, em Portugal, no domínio educativo, na área do currículo, da gestão ou da formação de professores. A maior parte destas mudanças têm-se efectuado sem qualquer articulação entre si, com agendas, ritmos e estratégias diferentes, sem objectivos globais claramente definidos e fora de qualquer perspectiva sistémica. Não existe, na maior parte das vezes, uma coordenação integrada nem uma política global que lhes dê coerência.
E isto é tanto mais grave quanto a ?crise da escola?, hoje é uma crise global que não se compadece com soluções e estratégias sectoriais.
Na verdade, a escola massificou-se sem se democratizar, isto é, sem criar estruturas adequadas ao alargamento e renovação da sua população e sem dispor de recursos e modos de acção necessários e suficientes para gerir os anseios de uma escola para todos, com todos e de todos.
Verifica-se, assim, um claro desfasamento entre a ?oferta? escolar que conserva, no essencial, uma organização pedagógica criada para públicos homogéneos, recrutados e  seleccionados em grupos sociais restritos, e uma  ?procura? escolar de largo espectro social, composta por públicos heterogéneos (do ponto de vista cultural, social, académico) e com interesses muito divergentes.
Esta contradição é responsável pela perda de sentido do trabalho pedagógico (entre o desejo de instruir, a necessidade de educar e a utilidade de estudar), quer para alunos quer para professores, e pelo agravamento de conflitos e situações de ruptura no quotidiano escolar, em particular na sala de aula.
Neste sentido, é possível dizer que, embora não exclusivamente, a ?crise da escola? é, acima de tudo, pedagógica e organizacional, se não nos esquecermos que, neste caso, a pedagogia e a organização são sobredeterminadas pela interacção do meio educativo com o meio social mais geral e, evidentemente, com as opções políticas que regulam essa interacção.
Por isso, torna-se necessário estar atento às ?reformas? que se avizinham, nomeadamente no que se referes ao estatuto do ensino público, às suas modalidades de gestão e ao exercício profissional dos professores.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa
João Barroso
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação da Univ. de Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo