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O futuro da nossa preocupação

2003, Ano Novo pessimismo velho
2003, Um ano de novos apertos 

Os portugueses andam preocupados com a crise e com o futuro do país. E, principalmente, com o seu próprio futuro. Conceitos como "retracção da economia" ou "deficit da despesa pública" não dizem nada à larga maioria, mas certo é que as pessoas sentem o seu poder de compra baixar e um crescente pessimismo quanto à possibilidade de melhoria das condições de vida. Apesar de existirem excepções, a maioria das opiniões recolhidas revela que o grau de confiança é baixo. Como vai ser 2003?
"O ano passado (2002) foi difícil para o negócio e receio que nos próximos tempos iremos pelo mesmo caminho", diz Rosa Teixeira, 36 anos, empregada de comércio numa loja de a baixa portuense, que não se lembra de assistir a um ano "tão fraco". Em troca de nove horas de trabalho diário recebe pouco mais do que o salário mínimo, que, garante, mal lhe chega para cobrir as despesas básicas. "Só no aluguer da casa e nas despesas fixas do mês o dinheiro some-se. O que vale é sermos dois a ganhar, porque de contrário seria impossível viver", diz. Mesmo ao lado, Conceição Ferreira, 28 anos - colega de trabalho -, queixa-se também  da precária condição de vida e assume um discurso resignado: "hoje em dia é preciso agarrar qualquer oportunidade, mesmo que o salário seja baixo. Infelizmente é assim..."
No principal centro de emprego do Porto - localizado na baixa da cidade - existe alguma azáfama no final da manhã. Não será para menos, a avaliar pelos números do Instituto de Emprego e Formação Profissional. De acordo com este organismo, o número de desempregados registado até ao final de Outubro de 2002 ascendia a mais de 365 mil, mais 15 mil do que no mês anterior (o que corresponde a cerca de 500 novos desempregados por dia) e mais 42 mil relativamente a igual mês de 2001. Estes números fazem com que a taxa de desemprego se eleve em 2003 a 6,7%, longe dos 5,5% previstos pelo governo e pela própria Comissão Europeia.
Um das pessoas que ali aguarda pelo atendimento é Mário Sousa, 34 anos, desempregado desde há três meses. Trabalhava como motorista numa empresa de transportes. As dificuldades financeiras agudizaram-se no último ano e fizeram com que vinte pessoas perdessem o posto de trabalho. Apesar disso, Sousa não se mostra muito preocupado. "Na minha área há muita oferta de emprego; em pior situação estão os colegas que trabalham em sectores menos procurados do que o meu".
Quem também aguarda ali pela chamada é Alberto Martins, 33 anos, trabalhador especializado no fabrico de moldes industriais. Apesar de, aparentemente, também ele não se mostrar preocupado com a situação temporária de desemprego - "falta sempre gente nesta área", diz com alguma confiança -, sente que o  país está a "caminhar para pior" e atribui a responsabilidade a quem, na sua opinião, tem a "obrigação de fazer andá-lo para a frente": os políticos. "Não é possível termos andado a receber tanto dinheiro da Europa e estarmos agora nesta situação. Algo não bate certo." 

Portugueses pouco qualificados 

Os trabalhadores mais habilitados são aqueles que maiores dificuldades encontram na procura de um emprego e de um salário compatível com a sua formação. Em Portugal, há actualmente mais de 23 mil licenciados inscritos nos centros de emprego. À falta de melhor, muitos acabam por recorrer a trabalhos temporários e a actividades que pouco ou nada têm a ver com as suas competências.
É o caso de Ana Meireles, 27 anos, também ela utente daquele centro de emprego. Apesar de possuir formação na área da gestão empresarial, estreou-se no mercado de trabalho como telefonista-recepcionista numa empresa de seguros. Trabalhou ali ao longo de dois anos e até admite ter gostado da experiência, mas achou que estava na altura de "dar o salto". Nessa manhã, aguardava a marcação de uma entrevista para uma vaga de gestora de serviços numa empresa retalhista dos arredores do Porto. A esperança estava estampada no rosto: "Pode ser que finalmente tenha oportunidade de desempenhar a minha profissão...". Oxalá.
Conseguir uma colocação numa empresa privada através do centro de emprego, porém, é ainda uma situação excepcional. De acordo com dados do Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional os empresários portugueses continuam a empregar poucos licenciados, existindo apenas 6,9% de diplomados entre os trabalhadores por conta de outrém no sector privado.
Ainda de acordo com números divulgados por aquele organismo, o crescimento das habilitações da população activa portuguesa foi negativo entre 1995 e 2000. Esta tendência verificou-se em particular no segmento das altas qualificações, onde se registou um decréscimo de 4,2%. Nos estratos das médias e baixas qualificações verificou-se um comportamento semelhante, com diminuições dos níveis qualificacionais de -0,9% e -1,6%, respectivamente.
Mais preocupante é o facto de calcular-se que, em 2004, cerca de 68% da força de trabalho portuguesa possuirá baixas qualificações, valor que continuará a colocar o país como o "campeão" da UE com o maior défice de competências educacionais. A distância face à Grécia e à Espanha é significativa: naquele mesmo ano, as duas nações empregarão respectivamente 40% e 43% de trabalhadores com fracas qualificações.

A "ameaça" que vem do frio 

Mas provavelmente nem será face à Grécia e à Espanha que o país terá de enfrentar o maior desafio. O baixo grau de qualificação de nível secundário da população activa portuguesa irá pôr em risco muitos mais postos de trabalho no território nacional depois de 2004, ano da adesão do primeiro grupo dos países do leste à União Europeia. Actualmente, apenas 21% da população activa possui uma educação superior a nove anos, ao contrário de uma média de 80% da força laboral daqueles países. Questionadas sobre as possíveis consequências do alargamento a leste para o futuro de Portugal, boa parte das pessoas entrevistadas pela Página desconhece o facto ou não sabe responder. Quem acompanha mais de perto o tema, porém, tem uma visão pessimista.

É o caso de Hélder Pereira, 27 anos, designer publicitário, que refere já ter lido e ouvido sobre o assunto e considera que o alargamento conduzirá inevitavelmente a um "aumento do desemprego" e à "diminuição das exportações". De qualquer modo, salvaguarda,  "não é fechando a porta a outros países que vamos resolver os nossos problemas".
Há também quem defenda que se deva "baixar os salários" como forma de fazer face às dificuldades económicas. Assumindo um discurso que faria corar o primeiro-ministro Durão Barroso, Leonel Silva, 44 anos, agente imobiliário, defende que essa é "a única solução para competir" com aqueles países. De outra forma, explica "não teremos quem queira investir em Portugal". Além disso, defende que o governo deveria ter ido mais longe na legislação do código de trabalho. Tudo, diz, porque "é preciso fazer sacrifícios para mais tarde colher os frutos".
Outros ainda encaram a adesão dos novos membros como um "estímulo" para os portugueses. "É um desafio que nos encorajará a sermos mais competitivos e a procurar melhorar em relação aos outros", afirma Joel Martins, 22 anos, estudante do 2º ano do curso de economia e gestão. Mas esse esforço não resultará, garante, se não se investir de forma "sistemática" e "coerente" na educação. "Está provado",  que "o investimento na educação traz sempre um retorno a médio e longo prazo".
De acordo com um relatório da Comissão Europeia sobre educação e formação ao longo da vida, Portugal esforça-se mais do que a média dos 35 países europeus mas os resultados que obtém são inferiores. O relatório mostra, por exemplo, que o total das despesas públicas com a educação em percentagem do PIB (Produto Interno Bruto) aumentou em Portugal de 5,37 por cento em 1995 para 5,73 em 1999, enquanto que a média dos 35 países analisados baixou no mesmo período de 5,44 para 5,23.

Apostar na educação 

"Sem resolver o problema do abandono escolar até ao 9º ano não se pode pensar em qualificar uma população com níveis mínimos de exigência". Quem o afirma é Luísa Machado, professora do ensino secundário em Lisboa, que na altura em que a entrevistamos se encontrava de visita ao Norte. "Como se pode estar já a pensar em alargar a escolaridade mínima obrigatória ao 12º ano sem se resolver previamente este problema grave do sistema educativo?", questiona-se. Na sua opinião, este deveria ser o principal "cavalo de batalha" de qualquer governo no futuro próximo. De contrário, garante, "perderemos cada vez mais terreno" face aos nossos parceiros europeus.
Os números parecem dar razão a esta professora. Segundo dados divulgados pela Comissão Europeia, Portugal tem a maior taxa de abandono escolar precoce da União, acima do dobro da média comunitária. O relatório conjunto sobre o emprego na UE refere que a taxa de abandono escolar precoce em Portugal foi de longe a mais elevada em 2001, com 45,2%, ao passo que a média comunitária se quedou pelos 19,4%.
Em números reais, são mais de 30 mil alunos que anualmente abandonam os estudos sem completar a escolaridade obrigatória, número, aliás, reconhecido pelo próprio Ministério da Educação. Nesse sentido, a Comissão Europeia já alertou Portugal que os maiores desafios  que o país terá de enfrentar na área do emprego são a luta contra o abandono escolar e o investimento na formação contínua.
Na sessão comemorativa dos 15 anos da criação do Conselho Nacional de Educação, realizada em meados do ano passado, o ex-ministro da educação Marçal Grilo fez uma afirmação que reflecte bem a grandeza do desafio que temos pela frente: "Quando no país cerca de 60% da população não tem mais de seis anos de escolaridade e 70% diz estar satisfeita com a formação que  possui, está-se perante um problema de fundo na sociedade portuguesa".


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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