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Actos de resistência - Como evitar que o

Frequentemente, os discursos ? políticos e institucionais ? sobre o governo e gestão das instituições homogeneízam-se, e organizam-se quase sempre em torno das mesmas metáforas: qualidade, excelência, competição, responsabilização e necessidades e escolha individual (pelo «cliente», «consumidor» e «utente» ?)

A retórica e as práticas ?managerialistas? têm gradualmente ocupado um espaço cada vez mais importante em todas as esferas da decisão social, cultural,  política e económica. A administração pública, particularmente no âmbito dos sistemas de saúde e de ensino superior, não escapa a esta colonização. Frequentemente, os discursos (políticos e institucionais) sobre o governo e gestão das instituições homogeneízam-se, e organizam-se quase sempre em torno das mesmas metáforas: qualidade, excelência, competição, responsabilização e necessidades e escolha individual (pelo ?cliente?, ?consumidor? e ?utente?, etc.). O desejo, de alguns, da intervenção da ?mão invisível? ou do ?estado sombra? é tão evidente, que, à força de quererem demonstrar que a águia tem quatro patas e é igual a um elefante, transferem aquelas ?receitas mágicas? para qualquer realidade institucional e/ou organizacional: uma empresa é igual a uma escola, a uma universidade ou a um hospital, e a administração e gestão destas instituições é uma questão de ... qualidade, excelência, competição ...
Estamos, de facto, confrontados com uma retórica cuja lógica é universal e ?totalitária?. Esta retórica também vai tentando colonizar o trabalho académico. Os professores correm o risco de, no futuro, já não se verem definidos pelo seu trabalho profissional, mas pela sua actividade produtiva e como receptáculos de simples competências pessoais, definidas como uma forma de ?capital intelectual?: competências de ensino para satisfazer as necessidades dos ?consumidores? ou ?clientes? (estudantes), competências de investigação para, em alguns casos, produzir tecnociência, I & D ou ciência estratégica, e servir, através da ligação estreita às empresas, o mito da ?economia do conhecimento? e da ?sociedade de informação?  (veja-se a questão das patentes e a privatização do conhecimento científico), e competências de prestação de serviços ao exterior, visando captar fundos para as instituições e os próprios. Assim é possível que os professores possam vir a deixar de ser socialmente representados como académicos para passar a sê-lo como um ?site? de competências.
Esta situação, embora ainda, em Portugal, numa fase muito embrionária, pode produzir impactos reais no trabalho e nas subjectividades dos professores do ensino superior. Aliás, já é possível constatar um certo aumento da pressão, externa e interna, sobre os diferentes papéis profissionais que desempenham. Esta pressão, que significa a vontade de aumentar o controlo sobre as suas actividades e, assim, diminuir o seu espaço de autonomia profissional, apoia-se mais uma vez numa representação fantasmagórica das ?receitas mágicas? da qualidade, excelência, competição ... e dos seus apêndices de incentivos, que tendem para a individualização da relação profissional dos professores com as instituições. A ânsia secreta de estender o domínio da ?mão invisível? ao trabalho académico é, talvez, e mais uma vez em alguns, bastante forte: os professores devem alinhar com o mercado e produzir e vender serviços de ensino, de investigação e de consultoria. Falar de compromissos desinteressados como a emancipação das sociedades e de determinados grupos sociais, bem como dos papéis que os professores podem desempenhar na democratização do ensino superior, na promoção da igualdade de oportunidades, ou simplesmente, na livre circulação do conhecimento científico, soa hoje, para alguns políticos e responsáveis institucionais (e mesmo alguns académicos), a um discurso bastante estranho, vindo das profundezas da modernidade. Se a esta estranheza se acrescentar a popularidade de noções tais como a adaptabilidade e a flexibilidade, e se esquecer a questão da profissionalidade, então, provavelmente, o mundo académico poderá ver emergir, no seu seio, um mundo ?darwiniano? de insegurança e de violência simbólica, apoiado na docilidade do trabalho académico. De qualquer forma, como diria Bourdieu, são sempre possíveis actos de resistência ...


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro
Rui A. Santiago
Univ. de Aveiro

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