Uma aluna fica quase um mês sem vir à aula, quando volta a frequentar a escola a professora, ao vê-la no portão, interpela: - O que aconteceu? Você sumiu da escola! A aluna, que deve ter uns dez anos, devolve a pergunta: - Eu sumi ou foi a escola que sumiu?
Durante duas semanas as aulas foram suspensas com alguma frequência. Foi nesse momento que a menina ?sumiu? da escola, deixando de vir às aulas mesmo quando elas foram regularizadas. Parece-me muito interessante a resposta/pergunta da aluna. O que ela está dizendo ao indagar, diante do imponente prédio de três andares, quadra coberta, pátio e biblioteca, se a escola sumiu? A escola estava no lugar de sempre, era a aluna que havia deixado de vir à aula. Sua pergunta nos leva a refletir sobre o que é a escola. Sem dúvida para ela a escola não é apenas um prédio recheado de objetos que denominamos recursos materiais. Podemos inferir que o seu questionamento coloca em discussão os processos que cotidianamente se realizam no interior daquele prédio. Escola, para aquela menina, pode ser tempo/espaço vivido, compartilhado, tecido pelas múltiplas interações humanas que o prédio pode (ou não) propiciar. Na situação por ela vivida, a escola vai deixando de ser tempo/espaço de convivência, de interação, pois a frequente suspensão das aulas impede o estabelecimento de relações cotidianas, indispensáveis para a produção de relações compartilhadas. A suspensão das aulas estilhaça as relações que vão sendo tecidas nos encontros diários, nas ações realizadas a cada dia, nos atos pequenos que vão ganhando significado pela presença do outro que vai se tornando familiar e, portanto, parte do processo que pouco a pouco ganha forma e conteúdo, nos fragmentos que se articulam e criam configurações novas. Processos ténues, às vezes levemente esboçados, que criam a possibilidade de produção cotidiana de tempos/espaços coletivos, indispensáveis para que o ensino/aprendizagem ? ato que só se realiza com a participação do(s) outro(s) - vá se realizando. A frequente interrupção das aulas vai desfazendo esses laços, de modo que a escola vai sumindo, o que só adquire visibilidade com a ausência da criança. Seu ?sumiço? cria condições para que o processo de desaparecimento da escola seja visível. Esse processo, no entanto, só se completa com o retorno da aluna à escola e com a enunciação de sua pergunta/denúncia. Nos atos cotidianos, invisibilidade e visibilidade não revelam situações excludentes, pelo contrário, indicam processos complementares em que ambas as situações são necessárias para a percepção da dinâmica estabelecida. Os atos cotidianos frequentemente são atos ambivalentes, configurados nos espaços híbridos em que os opostos dialogam recriando seus sentidos originais. Seu retorno e sua participação potente no diálogo podem revelar a manutenção de seus vínculos com o cotidiano escolar? Por que a menina insiste em buscar a escola que some? Como a professora vê a menina que sumiu e reaparece? A professora vê a escola sumindo? Sem pretender respostas a estas indagações, entendo ser importante refletir sobre os dois pontos de vistas postos em diálogo: o da professora e o da aluna. Eles são opostos, e dependendo do modo como sejam apreendidos no diálogo podem se tornar objeto de conflito; mas também são coincidentes. Ambos indicam o desaparecimento do outro e reclamam a ausência da relação pedagógica. Ambos expressam o contato com o outro como indispensável para a realização de seus desejos, intenções e compromissos. O breve encontro anuncia o confronto, porém, vivenciado em sua ambivalência, pode entrelaçar fios soltos e criar interações em que a professora e a aluna compartilham o cotidiano da escola como espaço/tempo de relação humana.
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