«Ensinar é, dia a dia, motivar o diálogo», foi este o lema escolhido pela Internacional da Educação para assinalar o Dia Mundial do Professor de 2002 (5 de Outubro).
Inscrevendo o termo ensinar num sentido lato de educação, de acordo com as exigências da contemporaneidade e a mentalidade curricular que hoje configura o saber profissional docente, venho então, e mais uma vez, apelar para a relevância antropológica, logo educativa, desse imperativo ético que é a promoção do diálogo. Num texto anterior tive oportunidade de chamar a atenção para o documento produzido no último Fórum das Nações Unidas sobre a infância onde as crianças delegadas reivindicavam, precisamente, o direito a ser escutadas. È gratificante pois constatar a sintonia entre o apelo das crianças e a preocupação dos docentes. Mas como se ensina a dialogar? Antes de mais, dialogando. Dentro ou fora da sala de aula, a pretexto de um debate de ideias, da resolução de um problema, de um processo de tomada de decisões ou sem pretexto aparente, por ocasião de uma boa conversa, como forma de saudar o encontro entre pessoas. Porque é essa a função fundamental do diálogo, a de alimentar a relação que aproxima pessoas separadas pelo mistério das respectivas subjectividades. Estimular o diálogo significa potenciar a capacidade de estabelecer com o outro uma relação, um contacto, para lá do que se diz e do que se transmite. No frente a frente humano que a situação de diálogo implica, expondo, expomo-nos. Como lembra Alberto Caeiro, ao contrário das coisas cujo sentido íntimo reside em não terem sentido íntimo nenhum, as pessoas dão-nos testemunho de uma forma única de viver o mundo. Por isso é que, como diz o poeta, para falarmos das coisas, e assim podermos atribuir-lhes personalidade, precisamos utilizar a linguagem dos homens. Afinal de contas as coisas são, apenas, conteúdos do diálogo. Claro que importa valorizar o diálogo enquanto lugar de partilha de ideias, de sentimentos e de saberes, enquanto lugar de negociação de certezas provisórias requeridas pela viabilização de um viver em comum. O diálogo é essencial à fecundação das verdades singulares com que alimentamos o desejo de futuro num tempo marcado pela insegurança, pela complexidade e pela incerteza. Mas para isso não basta preparar os alunos nas competências linguísticas, nas artes da argumentação ou no abc da comunicação tecnológica, é necessário cuidar das possibilidades de encontro humano, investindo na qualidade relacional do quotidiano escolar. O respeito pelo mundo interior que faz a identidade de cada um convoca-nos para a criação de lugares de proximidade, de interacção e de sensibilidade. Sem uma cultura escolar humanista e um clima organizacional democrático não é possível promover o diálogo. Na declaração de Nova Iorque as crianças vinculavam o seu direito a ser escutadas ao direito a aprender a compreensão, os direitos humanos, a paz, a aceitação recíproca e os princípios de uma cidadania activa. Elas reivindicavam, em resumo, o direito a uma educação capaz de ir para lá das metas académicas tradicionais. O que nos remete para a inquietante questão de saber onde fica essa aprendizagem de humanidade em escolas convidadas publicamente a medir o seu desempenho pelos critérios que sustentam a visibilidade dos «rankings». Concretamente na escola, o desenvolvimento de competências relacionais e comunicacionais passa pela existência de espaços e de tempos que favoreçam a interacção humana. Neste sentido, os professores devem assumir-se como agentes de proximidade a todos os níveis da sua intervenção profissional. Falo, claro, de uma proximidade irredutível ao sentido comum que sugere a diminuição possível de uma qualquer distância espacial. Tomada em sentido ético, a noção de proximidade pressupõe o reconhecimento da distância absolutamente intransponível e, nessa medida digna de respeito, em relação à vida interior de outra pessoa cujo testemunho só nos pode ser dado por ela própria. Ninguém o pode fazer em seu lugar. Daí o encontro interpessoal ser tão especial, e tão educativo. Que melhor oportunidade de aprendizagem, de crescimento, do que abrirmos a nossa vida à entrada de vidas outras? A importância de valores humanos como a partilha, a relação e a capacidade de escuta, fazem do diálogo um fim em si mesmo e não apenas um meio para atingir um fim. A noção de proximidade de que falamos reclama pois uma outra posição e atitude, reclama a atenção ao sentido íntimo de que as pessoas, só as pessoas, podem dar testemunho.
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