O planeta Terra comporta seus mecanismos de transformação
e tem uma longa e acidentada história. O Homem é um episódio singular no elenco
de espécies que alguma vez povoaram a biosfera terrestre, e esta biosfera é
um dos fundamentais objectos e agentes dessa história planetária. O Homem tem-se
revelado um dos mais poderosos agentes dessa transformação. Mas a Terra é tanto
o suporte da sua subsistência quanto é o seu habitat. Sendo certo que o trabalho
humano (manifestação da consciência e do conhecimento adquirido sobre a natureza)
exercido sobre o planeta (seus recursos naturais utilizados como matérias primas
finalmente convertidos em resíduos e efluentes) é um entre muitos outros dos
mecanismos de transformação actuantes no planeta, também é certo que essa transformação
actua retroactivamente sobre o Homem e impõe limites às transformações que este
pode exercer sobre o planeta. Em primeira instância é uma questão de eficiência
da formação social, no limite é uma questão de sobrevivência da espécie humana.
As observações por meios instrumentais da temperatura, da pressão,
da humidade e do vento do ar à superfície, só se faz regularmente desde meados
do século XIX; e sobretudo sobre terra, menos regularmente sobre o mar; daí
que o conhecimento que temos da temperatura e demais variáveis à superfície
do globo é um conhecimento pouco bem documentado. Os satélites equipados com
instrumentos de teledetecção representam um progresso enorme na observação do
nosso planeta, mas nos últimos trinta anos apenas; os satélites permitem realizar
uma cobertura contínua de todo o globo, daquelas e de outras variáveis, embora
os métodos de interpretação dessas tele-observações estejam ainda em processo
de aperfeiçoamento.
Para além da variabilidade geográfica da climatologia, as observações meteorológicas
acumuladas desde há um século e meio revelam a variabilidade temporal do clima
também. Diversos dados de observação sugerem que temos vivido um período de
elevação da temperatura média à superfície, de redução do volume da criosfera
(calotes polares mais massas glaciares), de subida do nível médio da superfície
do mar, de aumento frequência de ocorrência de episódios extremos e, ainda,
de perturbações na biosfera.
A observada variação do teor de dióxido de carbono na atmosfera, dada a sua
intervenção no efeito de estufa que regula a temperatura à superfície da Terra,
apela para o estudo aprofundado do ciclo do carbono no nosso planeta. Existem
enormes reservatórios naturais de carbono na crusta e nos oceanos, face aos
quais o carbono existente na atmosfera sob a forma de CO2 é quase insignificante.
Existem pois quer ?fontes? quer ?sumidouros? do CO2 atmosférico que importa
conhecer bem; a biosfera é um agente particularmente activo nessas trocas gasosas;
assim, as florestas, as terras húmidas e os estuários, pela riqueza dos organismos
vivos que os habitam, são áreas de potencial captação do CO2. Os solos são importantes
reservatórios de carbono mineral e orgânico; por isso, o uso que se faz dos
solos agrícolas e florestais pode contribuir para a captação do CO2, mas também
pode exercer-se em sentido inverso.
O problema da atmosfera e de alterações climáticas coloca-se, no fim do século
XX, analogamente ao problema da terra e de uso do solo, no inicio do século
XIX. Quer num caso quer no outro, o que está em causa é a relação do homem com
a natureza, em que a actual formação social se confronta com limites naturais,
por aí se confrontando com os seus próprios limites, posto que do ponto de vista
marxista as esferas humana e natural coexistem e coevoluem. Hoje constatamos
que temos de conviver com a nossa atmosfera como temos de conviver com o nosso
solo: cuidando das suas reais capacidades de resistência e de regeneração, sem
o que a produtividade de um e a habitabilidade do outro se tornarão barreiras
ao progresso da sociedade humana ou até à sua sobrevivência a prazo.
15 Outubro 2002.
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