Quando os “sub 16” são forçados
a trabalhar por nikes, roupa de marca ou para sobreviver
A sociedade de consumo está a criar necessidades nos
jovens às quais as famílias operárias não podem
dar resposta.” Para as satisfazer os sub-16 estão a trocar a escola
pelo mercado de trabalho diz Teresa Costa, presidente da comissão executiva
da Confederação Nacional de Acção Sobre o Trabalho
Infantil (CNASTI). Aliada às dificuldades económicas das famílias,
a exclusão proporcionada pelo insucesso escolar torna quase inevitável
o aumento do trabalho infantil. Os números confirmam: em 2001 eram 46.717
os menores trabalhadores, em 1998 o número ficava pelos 43.007, revelam
os dados do último estudo realizado pelo Departamento de Estatística
do Trabalho Emprego e Formação Profissional, do Ministério
do Trabalho e da Solidariedade. Em entrevista à Página Teresa
Costa faz um esboço desta problemática.
Pode traçar um retrato da criança que
trabalha em Portugal?
Não há só um, existem vários. De modo geral,
as crianças que trabalham em Portugal têm insucesso escolar e rondam
os 13/14 anos. Existem crianças a trabalhar na construção
civil, na panificação, na restauração, em fábricas
e em empresas familiares. Neste caso, algumas acumulam a escola com três
a quatro horas de trabalho diário junto dos pais. Outras frequentam a
escola e trabalham aos fins-de-semana ou fazem trabalho domiciliário.
Não é o trabalho doméstico, mas o trabalho dado por empresas,
sobretudo na área dos têxteis, para ser feito em família
e no qual as crianças de seis e sete anos acabam por participar.
Que factores originam essa entrada precoce no mundo
do trabalho?
É muito simples. Ás vezes o trabalho infantil começa nas
férias. Há imensas crianças que aproveitam esses três
meses para ganhar algum dinheiro para comprar aquilo que os pais não
podem dar: as sapatilhas, as calças de marca, os telemóveis…
Depois ganham gosto pelo dinheiro, que normalmente é para eles, passam
a poder comprar o que querem e perdem a vontade de estudar. Há uma outra
realidade que se chama miséria em que as famílias passam dificuldades
porque os pais não podem trabalhar, por questões de saúde
ou porque foram despedidos numa idade em que já não têm
possibilidade de arranjar um novo emprego, e nesses casos são as crianças
que assumem o sustento da casa. No fundo estes factores resumem-se num: dificuldades
económicas. Um outro grupo de crianças é posta a trabalhar
porque os pais como não estudaram não vêem a importância
da escola para a formação dos filhos.
O que é que os pais em geral pensam do trabalho
infantil?
Há pais que gostariam que os filhos estudassem mais porque têm
consciência de que a escola vai ter influência na escolha da profissão.
Mas ainda há um grande grupo de pais que acha que estudar é perder
tempo e até gostaria que a lei diminuísse a escolaridade obrigatória
para que os filhos pudessem trabalhar aos 14 ou mais cedo! Ainda há pouco
tempo ouvi o seguinte comentário de um pai: “Antigamente vinham-nos
buscar os filhos para a guerra, agora vêm-nos buscar os filhos para a
escola.” Veja o que esta comparação ainda revela! Por outro
lado, o ensino de gratuito não tem nada – para se conseguir entrar
no 1º escalão de apoio do Estado e ter acesso aos livros é
preciso estar mesmo na miséria. Por isso se o filho rende na escola,
os pais acham que [a frequência] vale a pena, se ele chumba um ou dois
anos – porque o ensino não responde às suas dificuldades
específicas de aprendizagem – tiram-no da escola. E para algumas
crianças estar sete a oito horas dentro de uma sala de aula a ouvir coisas
que não entende é mesmo uma violência.
Mas a alternativa ao insucesso escolar é o mercado
de trabalho?
Não. A alternativa teria de ser sempre um ensino mais personalizado.
Fala-se muito nos currículos alternativos mas não tenho visto
frutos nenhuns disso. Além disso, este ano, os casos de insucesso vão
aumentar porque foram tiradas muitas crianças do ensino especial que
agora andam pela escola a passear os livros. A alternativa ao insucesso escolar
devia ser encontrada ao nível da formação profissional.
No entanto, quando um filho chega ao 9º ano, com
15 anos, e diz que não quer continuar a estudar, a primeira coisa que
passa pela cabeça dos pais é pô-lo a trabalhar…
Há aí um buraco ao qual a lei não dá resposta. Um
jovem que passou todos os anos acaba o 9º ano com 15 anos mas sai da escola
sem qualquer formação profissional. Então por que não
criar para esse ano um curso, que até poderia ser remunerado, numa determinada
profissão. Assim quando o jovem fizesse 16 anos podia entrar no mundo
do trabalho minimamente preparado, porque tinha tido uma formação
profissional. É que muitas vezes os jovens que cedo iniciam uma profissão
vão aprender de forma brusca, com gente que não sabe ensinar…
Ás vezes a experiência laboral é tão negativa que
os jovens acabam por não gostar do que fazem. Agora querem aumentar a
escolaridade obrigatória para o 12º ano: a CNASTI é a favor
mas não chega criar a lei. O que é que se vai fazer aos jovens
que têm insucesso escolar? Se calhar antes de aprovar a lei é preciso
dar prioridade a este problema. Até porque esta preocupação
com o aumento da escolaridade obrigatória acontece mais por questões
políticas: para que lá fora Portugal seja visto como um país
evoluído. Mas quer-se dar uma imagem que não é real. A
realidade é que continuamos a ser um país de analfabetos e o ensino
deixa muita gente pelo caminho. Não temos uma escola de inclusão
temos uma escola de exclusão social.
Acredita que a escola é um agente motivador
do trabalho infantil?
Sem dúvida nenhuma. Uma escola tem mil e tal alunos, como é possível
controlar tanta gente? As crianças hoje em dia não são
iguais às de antigamente. Um professor podia ter 50 alunos e conseguia
manter a disciplina. Mas agora não consegue. Os novos métodos
de aprender e ensinar requerem mais tempo e mais disponibilidade e não
é com turmas tão grandes que isso se consegue. Depois há
alunos que acompanham bem as aulas e outros que vão ficando para trás…
Todos temos um pouco de culpa, não são só os professores.
E se os que têm insucesso escolar vão trabalhar, ainda não
é o pior. Começo a preocupar-me muito com os jovens que vão
para a marginalidade e depois já nem querem trabalhar.
Entrevista conduzida por
Andreia Lobo
|