Num seminário entitulado ?Tradução, Tradutores e Traição
na Comunicação Social?, realizado em Novembro de 2000 mas de cuja realização
só agora tomei conhecimento, os tradutores portugueses chegaram à conclusão
de que a linguagem corrente está repleta de estrangeirismos inutéis, quase
todos da mesma origem.
Cito uma jornalista que cobriu o acontecimento: ?Reunidos em
Lisboa para discutir as suas relações com a comunicação social, os tradutores
apontaram o dedo acusador à classe que, segundo eles, mais responsabilidades
tem na propagação dos erros linguísticos, na preguiça da língua manifestada
na importação e adopção irreflectida de expressões estrangeiras e na consequente
vulgarização do seu uso?. ?Se alguém perguntar a um tradutor quem é que ele
acha que é o grande responsável pela vulgarização dos ?americanismos? na linguagem
corrente obterá, quase de certeza, a mesma resposta: os jornalistas. Por que
é que se começou a escrever ?site? quando existe a tradução portuguesa ?sítio?
? Os exemplos podiam multiplicar-se? (M. Portugal. Público, 27.11.2000).
Tradutores e professores
Concordo, em geral, com o diagnóstico, presumindo que o termo
?jornalistas? se destina a abranger não só os que trabalham em jornais mas também
nas estações de rádiodifusão e de rádiotelevisão. São, de facto, os jornalistas
quem mais acesso tem aos nossos ouvidos e aos nossos olhos e, se não tiverem
cuidado com a Língua (que é tanto nossa como deles) ou se a maltratarem ? e
ambas as coisas acontecem demasiadas vezes ? isso acaba por notar-se, sobretudo
se se é tradutor.
Eu gostaria de acrescentar ?...ou professor?. Mas não estou nada seguro que
o acrescento se justifique. Uma coisa é certa: coisa que eu nunca vi foi a classe
dos professores organizar um seminário com o título ?Educação, Deseducação e
Comunicação Social? (mas se ando distraído, corrijam-me, por favor). E bem útil
seria realizar não apenas um, mas vários seminários com essa temática, tantos
são os aspectos a debater, sendo um deles o tratamento (?) que têm as Línguas
portuguesas na Comunicação Social ? aquela em que aqui escrevo, mas também aquelas
outras que quase não passam na televisão e na rádio, a Língua Gestual dos Surdos
portugueses e a das gentes de Miranda, Rio de Onor e Guadramil que ainda a conservam
viva, segundo julgo saber. Talvez se devesse incluir também no rol a língua
dos ciganos portugueses, se tiverem uma (já ouvi da boca de um deles garantir
que sim, mas que é secreta) e se quiserem mostrar-nos como se fala.
Duas topias realizáveis
Disse que concordava ?em geral? com o diagnóstico do seminário
dos tradutores, porque houve quem lá fosse opinar (por coincidência um jornalista
e por sinal dos mais respeitáveis) que ?ao tradutor exige-se ?fidelidade?, ao
jornalista ?objectividade?, duas utopias igualmente irrealizáveis?. Por que
é que essas exigências tão comezinhas seriam ?utopias irrealizáveis? (passe
o pleonasmo), não disse, ou se disse eu não estava lá para ouvir a explicação.
Houve também uma senhora espanhola (por sinal professora) que opinou que deveríamos
ver mais longe do que a responsabilidade INDIVIDUAL que todo o jornalista português
tem de sacudir a preguiça e dizer o que tiver a dizer em Português (ou em LGP
ou em Mirandês), se estiver (como nós) em Portugal e não nos EUA. Talvez achasse
a ideia demasiado simplista.
A inevitável ?globalização?
Certo é que botou as culpas na ?globalização?, hoje pau para
toda a colher. Explicou que ?para além da enorme pressão do inglês ? desde logo
como a primeira língua da Internet ? o facto de haver uma mistura de línguas
no mesmo espaço leva a que se crie uma uniformização de todas as formas de linguísticas
que não são habituais no sistema cultural a que se destinam?.
Que o Inglês é a primeira língua na internet é um facto. Mas não é um facto
imutável. A R.P da China tem mais de um bilião e 200 milhões de pessoas e a
União Indiana perto de um bilião. Se um dia as línguas que lá se falam vierem
a ocupar tanto ou mais espaço na Internet (ou na sua sucedânea) quanto o Inglês
hoje, espero que não venha ninguém de Espanha dizer aos tradutores de então
que há uma enorme pressão globalizadora do Cantonês ou do Hindi-Urdu sobre os
pobres jornalistas portugueses para praticarem o exercício ofniológico que consiste
em interjectarem abundantemente no seu discurso tantas palavras em Cantonês
ou em Hindi-Urdu quantas os seus antepassados do princípio do segundo milénio
d.C costumavam fazer em relação ao Inglês. Mas se vier alguém assim, espero
que os tradutores lhe respondam: ?Conversa da treta. O que esses jornalistas
se COMPRAZIAM a fazer era maltratar quer o Português quer o Inglês, por desdém
pelo público e por esses idiomas?.
A tradução inglesa de ?sítio? é francesa
E que aproveitem a ocasião, já agora, para corrigir uma afirmação
feita no seu seminário do ano 2000. A palavra ?site? não é inglesa, mas francesa.
Tem exactamente a mesma origem que a palavra portuguesa ?sítio? (a palavra ?situs?
do Latim) e práticamente a mesma gama de significação em Português e Francês.
Foi (como milhares de outras palavras francesas) encorporada no Inglês na época
em que o Inglês era uma língua sem prestígio ? é verdade, as voltas que o mundo
dá! ? que agora a pronunciam ?saite?. Donde resulta que, em bom rigor, ?sítio?
(real ou virtual) é a tradução portuguesa do francês ?site? (ou vice versa,
?site? é a tradução francesa de ?sítio?) e ?saite? a pronúncia inglesa de ?site?.
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