A criança traída. Canção com Palavras.
A fórmula é conhecida no mundo cristão, seja ele Romano, Ortodoxo,
Calvinista, Presbiteriano, Adventista, ou outro. É a fórmula usada no ritual
de entrada de uma criança no mundo social. Tenho referido, noutros textos meus,
que os seres humanos ?são inaugurados? na interacção social, por meio de ritos.
Rituais, nos quais a Igreja Romana é prolixa. Outras Igrejas têm apenas dois
rituais de iniciação: o baptismo e o matrimónio. Eventualmente,
os Presbiterianos a Ceia do Senhor ou Comunhão. Confissão, apenas os
Romanos e a Alta Igreja Anglicana ou High Church da Grã Bretanha, que
Isabel I, teve o cuidado de guardar para si, para os seus pares e para o futuro.
Para saber mais, é preciso ler os meus textos dedicados a esta temática, ou
os textos dos cientistas da Religião, os que estudamos a Religião como uma instituição
social, organizada pelos seres humanos, como definem Ludwig Feurebach em 1821,
Karl Marx em 1848 e Max Weber aprofunda em 1904-1905. No entanto, o assunto
não é quem diz o quê e quando e para quê. O assunto é o facto do baptizado.
Até ao dia de hoje, não tinha tido o prazer de observar a consequência entre
as formas de vida dos adultos e os rituais religiosos a que subordinam as suas
crianças. Rituais que requerem do estado de saúde espiritual e humana dos ascendentes
dos mais novos, perante os quais se promete incutir, no pensar e sentir do ser
humano submetido ao ritual, que viverá sem raiva, inveja, ciúmes, ou a concorrer
com os outros, para ganhar e lucrar. A aspiração de todo o adulto para a sua
criança, reside na ideia, mora no desejo, dos mais novos aprenderem a bater
os seus pares, para lucrar e passar a ser uma pessoa de posses e hierarquias
louvadas, dentro da interacção social. Não é em vão que Émile Durkheim escreve
para a Universidade de Istambul, em 1909, o seu Curso de Ética Profissional
e Moral Civil, publicado apenas em 1950, muito depois da sua morte. Será
que o adulto tem vergonha da sua permanente contradição? Será que não entende
o Adágio de Mozart, do seu Quarteto ?A caça? - K458 -, essa partilha com Haydn,
das melodias em corda-não-bamba, antes certa e serena, cheia de beleza? Porque
no ritual de iniciação à interacção social, pais, avôs, avós, bisavós, bisavôs,
padrinhos, tios, concorrentes à Cerimónia, estão a presenciar a traição da criança.
Um ser humano que apenas sabe brincar e procurar o colo da mãe e o olhar certo
e disciplinado do pai, promete, pela boca dos seus padrinhos, viver em solidariedade
e alegria e camaradagem com todos os outros. E, para que tudo fique atado, o
Xamã que orienta o ritual, exorciza o mal com palavras retiradas da Bíblia Oficial
Romana, para o bem ficar empossado e a reinar nas ideias e emoções do iniciado.
O conjunto de adultos que acompanham o ritual, ficam com o novato, à porta do
Templo, enquanto os mais velhos do grupo familiar benzem o mais novo, transferindo
assim, o saber da vida e o seu exemplo, que é sempre entendido como o melhor
de todos os seres humanos; como diz o Xamã, quanto mais velho o parente que
benze a criança, mais sabedoria transita da sua experiência, para colaborar
na vida santa do mais pequeno. Vida santa por amar e partilhar, conforme o ritual;
vida santa por lucrar e abater o concorrente da melhor forma possível. É a contradição
materialista dos pais: a divindade deve proteger os lucros retirados dos outros
através de horas a fio de mais-valia, ou valor a mais, do trabalho produtivo
que, um dia, essa criança, adulto em curtos anos cronológicos, DEVE efectivar
para ser o prazer dos seus ancestrais. Estes são os duplos standards apreendidos
na infância, que tanta doença emotiva causam em adulto.
Não posso deixar de comentar, mais uma vez, que, ou entendemos a doutrina romana,
denominada cristã e a vivemos de forma calma e serena, sem problemas de concorrência
ou faltas organizadas para embutir os outros em sítios menos aliciantes para
a vida, ou vamos continuar a trair a confiança dos pequenos que aceitam as propostas
dos pais, por serem eles os que ensinam a ?tactear? o mundo desconhecido das
opções para viver, sem trair as alternativas dos seus semelhantes. Há um ditado
bíblico, referido pelo mundo cristão, bem como pelo muçulmano ? cuja Bíblia
passou a ser o Alcorão -, a referir uma ideia persistente: Amar aos outros como
a si próprio. Ditado que Sigmund Freud em 1919, analisa no seu Totem e Tabu,
quer para nós, quer para os Nativos Australianos, e a sua resposta é simples:
a contradição entre o pensar e o fazer, faz do ser humano um doente emotivo.
Shakespeare mudou o ditado ao referir nas suas obras - Henrique V e Hamlet,
especialmente -, esquece-te de ti e sem dares por isso, vais amar aos outros
e eles, em consequência, a ti.
Estas são as minhas meditações, após ter assistido ao baptizado de um pequeno,
cujos pais correm a Olimpíada da Vida, para ganhar por cima dos outros. Tal
e qual Bush por cima dos Muçulmanos, apenas retido pela honra condecorada por
um prémio à Paz, de Jim Carter.
A criança de hoje entrou no mundo ideal da solidariedade, que o Luterano Cristão
Karl Marx, e o seu amigo Anglicano-Luterano, mas muito cristão, nos lembram
no Manifesto dos Communard, mal traduzido como o Manifesto Comunista,
palavra tingida de rivalidade que leva a esquecer o amor do Ocidente Cristão
pelos carentes de recursos. E que o confesso ateu, socialista do materialismo
histórico, Émile Durkheim, nos lembra no livro referido, bem como em outros.
Hoje fui testemunha da entrada no grupo social, globalizado em torno do lucro,
de uma criança cujos pais sabem apenas o Pai Nosso. É uma tecla que não me canso
de premir, para lembrar que, ou sabemos da nossa cultura e lemos o Catecismo,
esse de 2004 artigos, ou traímos a criança desde o dia da sua inauguração como
ser social. Por outras palavras, da sua entrada na corrida desesperada pela
vida em mais-valia permanente para si.
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