(I)
O termo «competência(s)», embora não seja novo na linguagem
corrente e mesmo no quadro de algumas esferas científicas, tem vindo a assumir,
nos últimos anos, uma centralidade tal nos discursos políticos, económicos e
educativos que, na opinião de alguns autores, pode ser considerado como um daqueles
que ciclicamente marcam a agenda de amplos sectores das sociedades, nomeadamente
as ocidentais.
Seja como moda, ou como o reflexo de efectivas mudanças
sociais, ou, ainda, como antecipação dessas mudanças, essa súbita
centralidade não nos pode deixar indiferentes, implicando pois uma atitude de
reflexão aprofundada que permita evidenciar os seus possíveis significados bem
como as suas consequências para as sociedades em que nos integramos.
Esta centralidade do termo começou a emergir ainda nos anos 80, com a reforma
do sistema educativo americano, tendo-se intensificado ao longo da década de
90 através da proliferação de reformas educativas em vários países centrais,
tais como o Canadá, a Noruega, a Inglaterra e a Irlanda, nomeadamente. Em França,
país onde o termo tinha estado, até então, confinado ao campo da formação profissional,
onde o «balanço de competências» já possui uma história de cerca de 25 anos,
também se assiste nos anos 90 a um amplo debate em torno desta noção, debate
esse que mobilizou os mais diversos sectores da sociedade (educação, economia,
trabalho e política), tendo dado origem a um amplo leque de estudos sociológicos
que importa conhecer para compreender o estado da arte no domínio em questão.
No caso português, no ano transacto e sem que tivesse sido anunciado qualquer
movimento reformador explícito, as escolas (básicas, sobretudo) viram-se confrontadas
com o que foi designado pelo governo socialista por «reorganização curricular»
(designada por Lima e Afonso, 2000, por pós-reformismo e neo-reformismo, respectivamente),
assumindo as competências de diversos tipos (transversais, gerais, específicas,
...) o eixo em torno do qual a referida reorganização se estabelecia.
A partir daqui importa perceber, pois, quais serão os fundamentos desta vaga
reformadora (explícita em muitos dos países acima referidos e implícita entre
nós) que tem como referência central a chamada «abordagem por competências»
ou «pedagogia das competências». Pela leitura de numerosos trabalhos publicados
ao longo da década de 90, principalmente de origem francófona, pude concluir
que o termo em questão possui um conjunto de atributos que importa conhecer
para que o possamos abordar com alguma segurança analítica. Assim, o primeiro
desses atributos é o seu carácter polissémico, deduzido da inexistência
de uma definição consensual, nomeadamente no interior da comunidade científica.
Decorrente desta situação, constata-se um elevado nomadismo, adquirindo
diferentes significados de acordo com os campos em que é utilizado, sendo pois
susceptível de usos sociais diferenciados. Um terceiro aspecto (e decisivo para
a análise) é a centração na acção, seja das organizações seja dos actores individualmente
considerados, embora me pareça que é nesta última que tem incidido preferencialmente.
Esta situação implica uma invasão da dimensão informal da acção que, como sabemos,
constitui o que Crozier define como zona cinzenta da acção pessoal e
organizacional, local onde se joga a autonomia, ou seja, o poder. Por último,
a noção em questão surge como resposta ao que se convencionou designar por crise
de legitimidade da escola que, alegadamente, não prepara os alunos para a vida
em sociedade. Não será por acaso que o termo «competência» tem surgido muitas
vezes associado a termos tais como produtividade, competitividade, empregabilidade
e trabalhidade (este último termo importado de uma autora brasileira, Lucília
Machado, 2002), ou seja, parece haver uma forte correspondência entre a emergência
das competências e as pressões da economia sobre a educação...
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