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No reino do faz-de-conta

O actual Ministério da Educação é, sobretudo, competente a fazer-de-conta que faz, a anunciar que vai fazer ou até mesmo a desfazer.

Lemos os jornais e perguntamos se são os fazedores de opinião que andam distraídos ou se são, antes, os gabinetes de imprensa dos ministérios que decidiram deitar mãos à obra. Aceitando ambas as explicações, aceitando, também, que anda por aí muita gente satisfeita com a aragem berlusconiana que sopra quotidianamente neste país, sempre diríamos que, apesar de tudo, não deixamos de estranhar as reacções na generalidade da imprensa portuguesa quer face às novas orientações políticas no âmbito da Educação Pré-Escolar quer face às novas orientações metodológicas no âmbito do processo de formulação dos ?rankings? das escolas do Ensino Secundário. Outros exemplos poderiam ser invocados, mas estes são suficientes para comprovar a tese de que o actual Ministério da Educação é, sobretudo, competente a fazer-de-conta que faz, a anunciar que vai fazer ou até mesmo a desfazer.           
Num tempo em que a mulher de César não tem que ser honesta, desde que o pareça, os jardins-de-infância terão que começar a abrir as portas mais cedo e a fechá-
-las mais tarde em nome das necessidades de apoio sócio-educativo sentidas pelas famílias portuguesas. As mesmas famílias que, face a essas necessidades tão veementemente invocadas, observam a travagem na expansão do Pré-Escolar, as escolas sem refeitórios e a inexistência de programas de animação de tempos livres que possam constituir-se como programas educativos de qualidade assegurados por profissionais competentes. As mesmas famílias que logo que os seus filhos transitam para o 1º Ciclo do Ensino Básico deixam de ouvir falar da componente sócio-educativa como uma componente prioritária. As mesmas famílias que são induzidas pela máquina de propaganda do Ministério a pensar que o que as educadoras de infância querem é mais férias, quando a obrigação desse mesmo Ministério seria, pelo contrário, a de valorizar, junto da opinião pública, o trabalho invisível e imprescindível que estas profissionais são obrigadas a fazer para prestarem um serviço educativo de qualidade. Um trabalho que passa pela possibilidade de usufruirem de tempos específicos dedicados à planificação e avaliação das actividades que desenvolvem com as crianças, a exemplo, aliás, do que acontece com os docentes dos ciclos educativos subsequentes. Um trabalho que obriga, hoje, as educadoras a  participar em pé de igualdade na vida dos agrupamentos onde os seus Jardins-de-Infância se integram.
Num tempo em que a mulher de César não tem que ser honesta, desde que o pareça, conseguiu-se, também, que a operação de elaboração do denominado ?ranking? das escolas do Ensino Secundário fosse divulgada e valorizada como uma operação credível. Uma operação tão credível que não consegue deixar de definir expectativas semelhantes, relativamente aos resultados dos exames nacionais a obter, para os alunos e os professores de escolas tão distintas como, por exemplo, a de Garcia de Orta ou a do Cerco do Porto, apenas porque ambas pertencem ao mesmo concelho geográfico. Uma operação que coloca no 1º lugar da lista, no exame de Filosofia, uma escola onde apenas um aluno realizou esse exame. Uma operação que não discrimina o peso dos resultados nos exames dos alunos provenientes dos Cursos Tecnológicos na classificação final das escolas. Uma operação que, tal como a do ano passado, continua a ocultar mais do que a revelar o absurdo em que o Ensino Secundário se transformou. Um absurdo que atinge, como tanto se apregoa, o José que obteve um 2,3 a Matemática, mas também a Joana que, no mesmo exame, conseguiu um 18,6. Situação que, pelos vistos, não interessa discutir, porque isso implicaria que, afinal, se tivesse que governar, e governar de uma forma tão consequente como democrática.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 117
Ano 11, Novembro 2002

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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