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Quotidiano - Um outro viés para o entertenimento da recepção televisiva
Durante muito tempo, os meios de comunicação foram analisados como todo poderosos. Seriam bons ou maus dependendo apenas de quem os detivesse, de quem os controlasse. Atribuindo todo o protagonismo ao campo da produção, esse modo de interpretação do processo comunicacional excluía a chance de se estudar a recepção como um lugar que é também lugar de partida, no qual o sentido é elaborado e produzido.
Pesquisas mais recentes têm questionado o posicionamento em evidencia, convidando-nos a pensar a recepção como processo que não pode ser reduzido à reprodução, pois se apresenta permeado de mediações que acabam por estabelecer uma negociação de sentido, uma interactividade, um jogo entre o que foi produzido e sua recepção.
Essa maneira de se conceber o processo de comunicação na qual se admite o papel efetivo do receptor tem sido reconhecida como anunciadora de um novo paradigma para o estudo da comunicação. Nesse cenário, destacam-se os estudos a respeito das mediações, desenvolvidos na América Latina por pesquisadores como Jésus Martin-Barbero e Guillermo Orozco. (?)
A recepção, em sentido similar ao que adotamos em nossa pesquisa, não se volta para o indivíduo como alguém a ser investigado abstracta e isoladamente, ou apenas no seu relacionamento com os meios de comunicação. Procura estudá-lo no contexto das diversas praticas culturais e sociais nas quais está enredado, por meio de múltiplas e intrincadas relações, inclusive com a mídia. A recepção é concebida, assim, como um processo condicionado e situado, um processo que é, muitas vezes, permeado por contrações. (?)
Fazendo um recorte no trabalho realizado, e abandonando provisoriamente outros achados de minha pesquisa, trago à cena a questão da influência da TV sobre as pessoas. Essa escolha se deve a fatos que há muito me instigam.
Carrego em minha memória inúmeras lembranças de conversas, mais ou menos recentes, desenvolvidas com pais e professores, acumuladas ao longo de minha vida de professora. São lembranças nas quais a TV é, com muita frequência, responsabilizada pelas mais diversas dificuldades ou mesmo problemas apresentados pelas crianças e jovens. São lembranças nas quais muitos pais e professores se referem à TV como possuidora de um poder avassalador e insinuam sua impossibilidade de fazer frente à questão. Dessa maneira, atribuem-se à TV poderes e culpas que não podem ser entendidos de forma simplista, como se esse objeto fosse desencarnado, tendo vida própria, e a sociedade - com os homens e mulheres que a compõem - ficasse condenada ao imobilismo.
Criticada, minimizada, relativizada, condenada, perdoada, a influencia da TV sobre as pessoas foi objeto de diversos depoimentos e constituiu uma das questões mais revisitadas pelos jovens no decorrer de nossos encontros.
O grupo apresentou uma tolerância diferenciada em relação às diversas questões que a TV veicula. A influencia da TV em ações de consumo, na moda e na incorporação de certos vocábulos à linguagem se fez presente em inúmeras falas.
[Como exemplo da influencia da televisão] o próprio dialogo. «Você vê uma novelinha italiana e no dia seguinte está todo mundo lá: "amore mio, capiche, é vero"» (Thiago).
«A TV influencia muito. Naquela novela cigana todo mundo começou a usar roupa cigana. Lançaram vários CDs com música cigana » (Felipe).
No entanto, quando outras atitudes envolvendo valores, moral, aspectos mais profundos do comportamento foram trazidas à discussão, a avaliação foi diferente.
«Se tem alguma coisa de sexo, vou ver, mas só porque estão transando, não vou sair transando com todo mundo, só porque estou vendo isto» (Rodrigo).
Os jovens assinalaram que o propagado pela TV nem sempre se constitui em exemplo. Certas atitudes veiculadas, se transpostas para a realidade de forma simplista, levariam a desdobramentos e implicações que não aqueles apontados pela mídia.
«Lá na novela sai tudo bom, tudo perfeito, tem sempre final feliz, mas se a gente for fazer na vida real, acho que não é bem assim.»
«Novela até ensina. Mas muitas vezes a gente não pode fazer [o que ela propõe]. Às vezes a atitude que a pessoa tomou na novela, se a gente fosse tomar na vida real, não seria a mesma coisa, não sairia tão bem, não seria tão bonito.»
Marcela e Luciana, respectivamente, indicam uma distância entre o que é difundido pela TV e o universo do telespectador , e apontam para o fato de que certos comportamentos e atitudes difundidos pela TV e aprovados naquele universo, se absorvidos pelo receptor, geram ônus sociais. Sinalizam que os jovens filtram o que a TV emite, selecionando aqueles dados que estão de acordo com sua experiência pessoal e com seus princípios. Nesse sentido, corroboram a ideia de que a influencia da TV não pode ser pensada como um processo de mão única e determinada. Tudo depende também de quem está do outro lado da tela. Como afirma Prado (1999, p. 190), "se a televisão tem 'o monopólio da fala', nem todo mundo 'escuta' o que ela quer". (?)
Geni Amélia Nader Vasconcelos
Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e Faculdade de Odontologia Nova Friburgo
Integrante do grupo de pesquisa Rede de saberes em educação e comunicação: questão de cidadania, coordenado por Nilda Alves. Rio de Janeiro, Brasil
(Texto publicado na íntegra em :Subjectividade tecnologias e escolas, DP&A editora, dpa@dpa.com.br)

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 117
Ano 11, Novembro 2002

Autoria:

Geni Amélia Nader Vasconcelos
Univ. do Estado do Rio de Janeiro. Grupo de Pesquisa Redes de Saberes em Educação e Comunicação
Geni Amélia Nader Vasconcelos
Univ. do Estado do Rio de Janeiro. Grupo de Pesquisa Redes de Saberes em Educação e Comunicação

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